Alagoas

Cultura ameaçada

Com dívida, Cine Arte Pajuçara pode ser despejado

Em Tempo Notícias entrevista o gestor cultural do cinema, Marcos Sampaio, o Marcão

Por Luciano Milano 22/05/2022 08h08 - Atualizado em 22/05/2022 15h03
Com dívida, Cine Arte Pajuçara pode ser despejado
Centro Cultural Arte Pajuçara - Foto: Divlugação

Essa não é a primeira vez que o Centro Cultural Arte Pajuçara passa por problemas financeiros ou sofre ameaça de fechar as portas. Na segunda-feira (16), porém, o espaço iniciou uma ‘vakinha virtual’ para tentar pagar em torno de R$ 25 mil em aluguéis atrasados do prédio onde funciona. Desta vez, a ameaça é bem mais real: os donos do imóvel foram à Justiça para obter a ordem de despejo do cinema. Em Tempo Notícias conversou com o gestor cultural do Cine Ate Pajuçara, Marcos Sampaio, 57. Ex-diretor de Políticas Culturais do Município de Maceió, Marcão, como é conhecido no segmento, é um dos fundadores do lugar.

Confira a entrevista:

ETN
- Já são quantos anos de Cine Arte Pajuçara e como essa história teve início?

Marcão
– Cine Arte Pajuçara, aqui no prédio onde funcionamos, tem mais de 40 anos de existência. Houve diversas fases, com empresa de Aracaju, com duas salas, outra do Rio de Janeiro administrando, a Arte Filmes. Em 2006, o Sesi inaugurou o Cine Sesi, que funcionou até 2013. À época, eu era coordenador do cinema e, com familiares e amigos, criamos uma associação cultural, sem fins lucrativos, associação que até hoje administra o Centro Cultural Arte Pajuçara, que passou a ter esse nome desde 2013.

ETN
- Existe uma média de quantos filmes já foram rodados na sala de cinema? Existe algum deles que te marcou ao longos desses nove anos?

Marcão
– Não tenho um número exato de quantos filmes foram exibidos. Mas se levarmos em conta os nove anos que administramos o Arte, devemos ter uns 500. Por aqui, já exibimos filmes de Woody Allen, como Vicky Cristina Barcelona. Parasita, Drive My Car, Bacurau, Aquarius e O Som ao Redor, que é o primeiro filme de Kleber Mendonça Filho. Recentemente, exibimos um filme do Butão, um país praticamente desconhecido, que é A Felicidade das Pequenas Coisas. Também exibimos filmes de Pedro Almodovar, promovemos o Corujão, a Mostra Sururu de Cinema, Francês, Sururu… Enfim, por aqui passaram e passam filmes marcantes que têm feito a história do Cine Arte Pajuçara.

ETN
- Corujão do Cinema é pioneiro do Arte? Como surgiu a ideia de colocar o pessoal para virar a noite apreciando a Sétima Arte?

Marco Sampaio - Foto Pei Fon


Marcão – No caso do Corujão do Cinema, ele já existia na época do Sesi. Foi realizado quando reabriu o cinema em 2006, para comemorar um ano de reabertura, em 2007, com algo que marcasse. Não inventamos a roda porque já havia experiências como essa no Rio e São Paulo. Mas quando trouxemos para o Nordeste, transformamos e mudamos o formato porque lá é apenas exibição de filme e Dj no intervalo. Aqui, trazemos diretores para debaterem o filme com o público, colocamos show, semana passada trouxemos um grupo de palhaços. É um evento marcante com a proposta de levar a experiência ao público de entrar à noite no cinema e só sair quando o sol nasceu. Com os dois anos de pandemia, o Corujão obviamente ficou suspenso, mas agora já realizamos a primeira edição após o período mais crítico da covid-19.

ETN
- Você tem uma relação mais que empresarial com o Cine Arte Pajuçara, não é?

Marcão
– O Cine Arte Pajuçara não é considerada uma empresa normal, é uma associação cultural, uma economia solidária, coletiva. Existe uma diretoria, não faço parte dela, mas fui nomeado como Diretor Executivo do local.

ETN
- Nesta semana, foi iniciada uma vaquinha virtual para ajudar a pagar alugueis atrasados. A bela história de resistência cultural e amor ao cinema estão ameaçados em Alagoas?

Marcão
– Manter esse espaço, ao longo dos anos, nunca foi fácil. Há períodos que variam, há fases que temos convênio, apoio do governo, empresas que anunciam, e há períodos também que tudo isso some e as coisas ficam complicadas. Entre 2015 e 2018, ficamos inadimplentes por alguns meses com o aluguel, tentamos inúmeras negociações. Houve problemas porque a empresa, dona do prédio, não quis mais o parcelamento do débito. A forma que encontramos para tentar quitar a dívida e manter o Cine Arte Pajuçara aberto, vivo é a ‘vakinha virtural' para, com nosso público e pessoas que colaboram, tentar arrecadar o valor e pagar o que devemos.

ETN
- Como está a campanha? Inclusive, essa não é a primeira vez que o Cine Arte Pajuçara passa por esse tipo de problema financeiro, não é?

Marcão
– Iniciamos a campanha na segunda-feira (16). Em um dia, arrecadamos 25% do valor da meta que temos para alcançar e pagar o débito. Consideramos que a campanha tem sido vitoriosa, pessoas e empresas têm nos procurado e estamos confiantes de que iremos honrar o compromisso. Essa não é a primeira vez que passamos pela ameaça de fecharmos as portas, mas dessa vez a coisa é bem mais complicada porque a empresa dona do imóvel foi para a Justiça pedir a nossa saída. Porém, acreditamos que as coisas vão se resolver com o engajamento da sociedade pela causa do cinema e da cultura.

ETN - Uma sede própria resolveria o problema. O poder público municipal e estadual poderiam ajudar o cinema nesse sentido? Qual a saída?

Marcão
– Uma sede própria seria, obviamente, o ideal. Mas, inicialmente, não pensamos em colocar o Arte Pajuçara em outra sede. Aqui, onde funcionamos esse tempo todo, é um lugar icônico, bem localizado, que fica à beira-mar. Embora não seja aberto, fica em uma galeria, e tem facilidade de transporte, acesso, as pessoas gostam, é aconchegante. O ideal é onde estamos, mas não temos recursos para comprar o local. Quanto ao apoio do poder público municipal e estadual, entendemos que eles também têm suas dificuldades, problemas, mas estamos em constante diálogo, há a possiblidade de vir apoio. Deixamos as portas abertas para o avanço dessa parceria. Não há nada gratuito porque somos um espaço importante para a cultura local e podemos oferecer ao Estado e município, possibilidades de ter projetos voltados para a escola, educação.

ETN
- Os preços dos ingressos parecem ser sempre promocionais. Se aumentar o público não vai; se deixá-los mais baratos a conta não fecha. É uma escolha de Sofia?

Marcão
– Com relação aos ingressos, é importante deixar claro como funciona essa coisa de cinema. Recebemos o mesmo tratamento que é dado aos cinemas de shopping, ou seja, quando a gente quer um filme pagamos 50% à distribuidora do filme. Por exemplo, se arrecadarmos R$ 10 mil, R$ 5 mil ficam para nossos custos. Muitas vezes, a conta não fecha. Quanto aos preços, como o Arte Pajuçara é sem fins lucrativos, o objetivo é que tenhamos, sempre, um preço acessível. Aos fins de semana, o preço do ingresso é um pouco maior. Mas com valores a R$ 10,00, por exemplo, como fazemos no meio da semana, às terças e quartas, ganhamos em volume e aumentamos em 60%, 70% o público em nosso cinema. Não é bem uma escolha de Sofia porque fazer promoção tem sido um mecanismo em outros segmentos. A questão toda é que nossos custos são altos, o que arrecadamos, e fica com o cinema, é insuficiente. É uma luta constante, é um aparelho de arte, voltado para cultura e enfrenta as dificuldades que, tenha certeza, não é só de Alagoas, mas de todo Brasil.

ETN
– Há uma frase, pensamento que consiga, para você, definir o Cine Arte Pajuçara?

Marcão
– O Arte Pajuçara é, hoje, não apenas um cinema, mas um polo de difusão e circulação da arte e da cultura em Alagoas. É essencial para o desenvolvimento do estado porque, sem a cultura, o desenvolvimento será algo sempre vazio. A cultura que dá sentido às coisas da vida.



















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