Os barbeiros do Major Luiz Cavalcante
O riolarguense Luiz de Souza Cavalcante conquistou o primeiro mandato político em 1958. Foi eleito deputado federal após uma passagem pelo governo de Arnon de Melo como Diretor da Comissão de Estradas e Rodagem de Alagoas e, em seguida, uma suplência do senador Rui Palmeira em 1954.
Quando chegou ao governo de Alagoas em 1961, o Major Luiz já era um político que sabia lidar com os eleitores, estabelecendo com eles uma aproximação que poderia ser identificada atualmente como populista, mesmo sendo ele um engenheiro de formação militar.
Não andava com seguranças e não perdia a oportunidade para frequentar uma barbearia, poderoso meio de propagação política durante os tempos em que os outros veículos eram somente o rádio e impressos.
Lembro de uma tarde, provavelmente em 1963, em que estávamos eu e meu pai na esquina da Rua Boa Vista com a Praça dos Martírios, na calçada da antiga Guarda Civil, quando avistamos o governador Luiz Cavalcante saindo do Palácio e caminhando em direção à esquina do outro lado da rua.
Parou e ficou olhando na direção da Ladeira dos Martírios como se estivesse esperando alguém ou um carro. Poucos minutos depois ele parou um carroceiro e perguntou se ele estava indo para o Vergel do Lago. Com a resposta afirmativa, sentou do outro lado da carroça e pediu para tocar o burro, dizendo que ele ia cortar o cabelo naquele bairro. E foram embora pela Rua Melo Moraes abaixo.
Nessas ocasiões não escolhia barbeiro, mas sabia onde estavam as barbearias mais frequentadas. Uma delas, a de sua preferência, era a do Edinho, um salão com sete cadeiras na esquina da Rua Coronel Cahet com a Praça das Graças, ao lado do 1º Centro de Saúde. Edinho morava no pavimento superior ao Salão Vitória.
Era lá que o Major “gemia” embaixo da máquina manual, tipo alicate, que de vez em quando optava por arrancar o cabelo em vez de cortá-lo.
Foi por causa desse “sofrimento” que, em meados da década de 1960, em uma das viagens a Recife, adquiriu uma máquina de corte elétrica, provavelmente uma Matsuoka, e a trouxe para Maceió. Para quem não sabe, esse utensílio já existia desde 1919, quando foi inventada nos EUA por Leo J. Wahl.
Numa manhã, o carro oficial do Governo estacionou ao lado do salão do Edinho, o motorista desceu e foi chamá-lo. O barbeiro se aproximou do automóvel e quando abriu a porta de trás, lá estava o governador com um pacote.
— Edinho, trouxe para você um presente. É uma máquina de corte elétrica. Não quis levar até o salão para que ninguém pense que estou com isso criticando o uso que vocês fazem das máquinas manuais. Não precisa dizer a ninguém que fui eu que a trouxe do Recife.
De nada adiantou a explicação. Edinho sabia, por ouvir os gemidos, que sua velha máquina estava precisando ser amolada.
Mas nem sempre as aventuras do Major com barbeiros desconhecidos terminavam bem. Certa feita, durante uma das suas campanhas pelo interior do Estado, chegou a um arruado numa fazenda em Atalaia e como tinha um tempo de sobra resolveu fazer a barba.
Foi informado que o único barbeiro do local morava num sítio mais adiante. Não era problema. Saiu a pé com sua comitiva até o lugar indicado, uma casa humilde com um roçado em volta.
— Ô de casa! Cadê seu Severino, o barbeiro?
Uma mulher veio até a porta sem esconder que estava assustada com tanta gente ali acompanhando um desconhecido.
— Severino tá no roçado. Vou chamar.
Em poucos minutos o barbeiro agricultor apareceu, também alarmado com a situação. Levou o cliente para debaixo de uma mangueira e lhe ofereceu um tamborete para sentar. Ao lado, numa banqueta, estavam os apetrechos de uso profissional: uma velha navalha, a indispensável tesoura e uma toalha encardida.
E assim, demonstrando segurança e “habilidade relativa”, Severino espumou o rosto do cliente e começou a aparar os pelos do rosto no mesmo momento em que Luiz Cavalcante puxou conversa.
— Você deve estar estranhando eu estar aqui com essas pessoas, não é verdade?
Severino, muito sério e compenetrado no serviço, só fez balançar a cabeça afirmativamente. O Major continuou:
— Você sabe quem sou eu?
Novamente a resposta veio no balançar da cabeça, agora negando.
— Eu sou o governador de Alagoas.
Severino parou o movimento da navalha, olhou para o cidadão que se dizia governador, levantou a cabeça, percorreu com o olhar a assistência e voltou a trabalhar.
Na verdade, tentou voltar a trabalhar, mas já não conseguia manter as mãos firmes. Tremia mais que um antigo motor Toyota.
Aí foi a vez do governador tremer. Após o terceiro corte perto da orelha, o Major Luiz pediu para o barbeiro parar, retirou o que ainda tinha de espuma no rosto e disse:
— Severino, estou muito satisfeito com o seu barbear, mas vou deixar os pelos do pescoço para o Raimundo lá no Tabuleiro do Martins. Estou devendo uma visita a ele.
Pagou e saiu meditando: “melhor uma barba pela metade que um corpo sem a cabeça”.
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