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Menos, velho!

Por Hayton Rocha 18/10/2023 10h10
Menos, velho!


O velho Jacob é um árabe radicado em Alagoas desde 1967, quando desertou da Guerra dos Seis Dias, no Oriente Médio. Conta ele que sua fuga facilitou a vitória israelense sobre as tropas do Egito, Síria e Jordânia, quando Israel anexou a seu território a Península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém e as Colinas de Golã.

Um faroleiro incorrigível! Já tentou até me convencer de que um de seus filhos foi aplaudido de pé em pleno Maracanã, depois de marcar um golaço contra o Flamengo de Zico. Mais que isso: jura que o moleque recebeu um passe perfeito de ninguém menos que Maradona, depois aplicou o drible da vaca sobre o goleiro adversário e só não entrou com bola e tudo porque não quis tripudiar.

Há três meses, ainda trabalhava como cozinheiro a bordo de um rebocador (um barco que auxilia as manobras de navios na área portuária) que naufragou devido a uma falha mecânica. Só ele, acreditem, sobreviveu.

O naufrágio foi tão rápido que nenhum dos 20 tripulantes conseguiu chegar à superfície. "Eu tinha ido ao banheiro. Fechei a porta e estava sentado no vaso sanitário quando o barco virou, a luz se apagou e ouvi gritos. Saí, mas não vi ninguém. A força da água me empurrou para uma das cabines e lá fiquei preso..."

Ele não imaginava é que aquele jorro seria providencial, o empurrando em direção a uma bolha de ar que permitiu algo improvável: sobreviver por 60 horas no fundo do mar até ser resgatado.

Nunca colocara os pés em um navio antes de conseguir o emprego a bordo. Havia sido cozinheiro numa pousada na Barra de São Miguel, no litoral Sul alagoano. A primeira experiência no mar, aliás, não foi nada boa. "Embora gostasse de praia, foram dois dias vomitando e rastejando”.

O rebocador havia estabilizado um petroleiro numa das plataformas de petróleo no Nordeste em meio ao mar agitado. De madrugada, o velho Jacob acordou e foi para a cozinha lavar pratos e panelas até que os reflexos intestinais de uma moqueca do dia anterior lhe fizeram procurar o banheiro.

"Afundou ligeiro. Fiquei apavorado, ouvia gritos. Eram cinco e pouco da manhã, muita gente ainda dormia. A água borbulhava enquanto invadia os compartimentos. Depois, veio o silêncio".

Quando a embarcação finalmente encalhou no fundo do mar, 30 metros abaixo da superfície, era o único que escapara, apenas de cuecas, preso num espaço pequeno, escuro e frio, sem comida nem bebida, com água pela cintura.

Em terra, as famílias dos tripulantes foram informadas de que não havia sobreviventes, e a empresa proprietária do rebocador contratou especialistas para resgatar os corpos. Detalhe: se os familiares mantivessem a ocorrência sob absoluto sigilo, evitando redes sociais e a consequente investigação pelas autoridades, todos seriam muito bem recompensados.

Três mergulhadores, então, desceram até o fundo do mar numa câmara pressurizada, coordenados por um supervisor que acompanhava as ações por meio de uma câmera de um barco na superfície.

O velho Jacob disse que conseguia ouvi-los enquanto quebravam as portas para entrar na embarcação. "Quase não havia mais oxigênio na bolha de ar quando vi o reflexo de uma lanterna. Aí mergulhei, segui na direção da luz e, de repente, vi a água borbulhando. Era um mergulhador."

Os especialistas trouxeram então um equipamento de mergulho e o conduziram com cuidado até a superfície. "Estava tudo cheio de lama, não se via nada. Quando eu entrei na câmara pressurizada e percebi que era o único que havia escapado, desabei no choro”.

Depois de 60 horas de agonia, ainda teve que passar mais três dias numa câmara de descompressão para normalizar os níveis de nitrogênio que se acumularam nos tecidos e poderiam causar um ataque cardíaco. Enquanto isso, sua família (esposa e duas netas) era informada de que ele fora encontrado com vida. "Minha patroa chegou a desmaiar. Foi levada às pressas pro hospital..." – comentou.

Quando acordou, o médico enfim descobriu o real motivo do desmaio da esposa: a direção da empresa proprietária do rebocador havia autorizado a concessão de uma polpuda pensão vitalícia, além de plano de saúde e bolsa de estudos até a faculdade, para todos os herdeiros das vítimas fatais da tragédia.

“Pois é, doutor, na hora decisiva pro futuro de nossas netas, o inútil do meu marido estava cagando! Pode?!” – queixou-se a quase viúva, em compreensível, indignado e justo desabafo!

Como nada encontrei sobre a suposta tragédia na costa brasileira, tudo indica ser mais uma lorota do velho Jacob que, por ser bastante parecido, anda se passando por pai de Givaldo Santos Vasconcelos, o Jacozinho, ex-atacante do CSA nos anos 1980. Mas, o que é real ou ficção no noticiário em tempos de guerra?