Educação à distância coloca em risco formação de dentistas e atendimento a pacientes
A possível autorização de cursos de educação à distância (EAD) para graduação em odontologia, que vem sendo discutida no país desde 2022, vai levar a retrocessos na saúde bucal no Brasil. É temerário que se autorize a formação de cirurgiões-dentistas sem que passem pela vivência clínica, fundamental para o exercício prático da profissão, sob pena de colocar-se em risco a saúde e o bem-estar dos pacientes.
Como órgão fiscalizador e responsável por ações de proteção da população na área, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) se posicionou publicamente contra a ideia, desde o primeiro momento em que foi lançada pelo Ministério da Educação (MEC). Desde então, juntaram-se à causa diversas outras entidades representativas da classe odontológica, também preocupadas com a má qualidade dos atendimentos a serem realizados por esses profissionais formados por meio de cursos à distância.
Habilidades práticas, como manipulação de instrumentos específicos, não podem ser dominadas sem a supervisão de professores. O aprendizado presencial possibilita que os alunos recebam orientações imediatas, contribuindo para o aprimoramento de suas habilidades.
Além disso, a comunicação eficaz das necessidades dos pacientes não podem ser plenamente desenvolvidas sem a exposição regular a situações clínicas reais. O ambiente presencial proporciona aos estudantes a oportunidade de lidar com uma variedade de casos, preparando-os para os desafios emocionais e práticos que encontrarão em suas carreiras.
O aprendizado colaborativo e a construção de redes profissionais são elementos cruciais que o ensino presencial promove. A troca de experiências entre estudantes, professores e profissionais do setor é fundamental para a formação de uma comunidade coesa e bem informada. Essa rede de contatos não apenas enriquece o aprendizado, mas também serve como suporte ao longo da carreira profissional.
Nos estudos para a autorização do EAD na Odontologia, o MEC realizou uma consulta pública, lançada em novembro do ano passado pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) e que contou com mais de 15 mil participações. O resultado levou o ministro Camilo Santana a suspender por 90 dias os processos de autorização de cursos à distância de diversas áreas do conhecimento, incluindo a odontologia.
Embora bem-vinda, a suspensão não significa o encerramento do assunto, pois ainda está pendente pelo MEC a conclusão da proposta de regulamentação de oferta de diversos cursos de graduação EAD. O CFO vai se manter vigilante enquanto essa possibilidade ainda for minimamente aventada.
Por isso, o Conselho vai colocar o assunto em debate durante o 41º Congresso Internacional de Odontologia (CIOSP), que ocorrerá em São Paulo entre os dias 24 e 27 de janeiro. O evento é considerado o maior da América Latina em infraestrutura e maior do mundo em número de participantes, tendo chegado a 100 mil visitantes em 2023. Ele é, portanto, o ambiente ideal para que, mais uma vez, possamos reafirmar a posição contrária à implantação dos cursos de EAD.
Estamos certos de que não é esse tipo de alteração que vai melhorar o panorama de uma população em que 89% das pessoas não realiza a higienização bucal mínima, de duas vezes ao dia, de acordo com a última Pesquisa Nacional de Saúde realizada pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE).
As novas tecnologias podem ser exploradas para complementar a formação profissional, como com simulações e recursos online, mas não para substituir a experiência presencial. A inovação deve buscar fortalecer os fundamentos que garantem profissionais preparados para os desafios do nosso país, além de manter a odontologia brasileira como a maior e melhor do mundo.
*Juliano do Vale é presidente do Conselho Federal de Odontologia (CFO)
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