Último uivo do lobo: o que Zagallo nos ensinou sobre autonomia patrimonial
Nas últimas semanas tomou conta dos noticiários o testamento de Zagallo, o ídolo do futebol, que decidiu deixar metade dos seus bens para seu filho caçula, Mario Cesar. No testamento, Zagallo faz questão de explicar os motivos que o levaram a essa decisão: desde a disputa pela herança de sua falecida esposa, ele se desapontou fortemente com os outros três filhos e recebeu cuidados quase que exclusivamente do mais novo.
O testamento de Zagallo nos traz algumas lições importantes e merece prestígio o fato de que ele decidiu exercer a sua autonomia e desigualar a participação dos filhos em sua herança. Além disso, o cuidado de ter deixado uma justificativa também nos exige uma explicação.
No Brasil, deixar heranças diferentes para os filhos ainda é um grande tabu. No dia a dia dos escritórios especializados, quando somos procurados para assessorar um testamento, é muito comum que o testador queira garantias de que os filhos vão receber bens que, na soma, tenham o mesmo valor. Contudo, não há nada que impeça que os filhos recebam bens de acordo com a sua necessidade ou com a participação que tiveram na velhice dos pais. Claro, desde que a diferença não ultrapasse a disponível, ou seja, a metade do patrimônio com a qual todo mundo pode fazer o que quiser, até mesmo quem tem filhos.
Filhos não são iguais e suas histórias com seus pais são únicas. Não há um dever parental de deixar a mesma herança para cada um. Essa expectativa de justiça salomônica afasta a autonomia da vontade e dificulta que as pessoas tomem decisões adequadas como, por exemplo, deixar para um determinado filho um bem que já é de seu uso, ainda que não possa legar aos outros bens que somem o mesmo valor.
Tudo indica, ainda, que Zagallo optou por simplesmente deixar a disponível para o filho Mario, ou seja, fazer uma divisão em proporção, deixando os 50% livres de seu patrimônio para o caçula, sem indicar bens específicos. Com isso, ele ficaria com 62,5%, já que tem um quarto da outra metade da herança. Essa espécie de cláusula pode ser muito interessante para patrimônios em constante alteração. Assim, não é preciso rever toda vez que o patrimônio mudar – metade é sempre metade. O desafio é que, dessa forma, a princípio, todos os bens ficam em condomínio entre todos os filhos. E, convenhamos, o clima não deve estar bom.
Zagallo ainda tomou o cuidado de se justificar. Ele fez uma espécie de testamento ético junto com o testamento patrimonial, anotando as razões que o levaram para essa decisão. A iniciativa é muito interessante porque ajuda a compreensão das disposições e reforçam a consciência do que estava fazendo. Mas é preciso ficar claro que, dispondo de metade do patrimônio, ele não precisaria dar motivo algum. Aliás, ele não precisava ter qualquer justificativa – é a parte disponível e ele dá para quem quiser. E cabe a nós acatar e criar uma cultura de respeito à última vontade.
*Laura Brito é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, possui doutorado e mestrado pela USP e atua como professora em cursos de Pós-Graduação
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