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O impacto na qualidade de vida de crianças com dermatite atópica grave

Por Dra. Silvia Soutto Mayor* 26/02/2024 14h02
O impacto na qualidade de vida de crianças com dermatite atópica grave

Pele extremamente seca e áspera, coceiras incontroláveis e lesões inflamatórias que frequentemente evoluem com infecções [i] e podem causar febre e dor[ii]. Estes são alguns dos sinais e sintomas mais comuns da dermatite atópica (DA)[iii], doença de pele crônica e inflamatória que está associada a um ônus físico e psicossocial substancial, afetando consideravelmente a qualidade de vida dos pacientes e dos seus cuidadores quando não controlada[iv] [v]. A doença é um desafio para adultos, e o manejo dos sintomas se torna ainda mais complexo quando a DA é diagnosticada em crianças[vi] .

No Brasil, a prevalência da doença é de 1,9% a 6,9% em crianças e adolescentes e afeta até 20% de crianças em idade escolari, sendo responsável por adolescentes entre 14 e 17 anos perderem, em média, 26 dias de aula por ano i [vii]. Uma das principais barreiras para a criança e sua família durante a jornada da DA é a privação do sono i. Em casos mais graves, a coceira não cessa, o que deixa a criança desconfortável para dormir i e causa um grande impacto na rotina e na produtividade dos pais e cuidadores i.

Em 45% dos casos, a coceira e as lesões nas localizações características da DA ( na infância: face , poupando a região central como o nariz, nas “dobras” dos braços, pernas, nádegas e no pescoço) [viii] surgem durante os primeiros 6 meses de vida, em 60% durante o primeiro ano e, em 85% dos casos, antes dos 5 anos [ix]. Cerca de 75% das crianças com DA irão apresentar melhora entre os 10 e os 14 anos, mas 25% podem persistir com a doença na adolescência vi. No caso das crianças, a doença manifesta-se principalmente nas “dobras” dos braços, pernas, nádegas e pescoço [x] . Já em crianças de 3 meses a 2 anos de idade, a face e o couro cabeludo são os mais prejudicados v .

A maior parte dos pacientes manifesta o tipo mais leve da doença e consegue manejar os sintomas com hidratação efetiva e uso de corticoides tópicos nas lesões. Dessa forma, os sintomas tendem a ser menos agressivos, com menor impacto na qualidade de vidav. Mas, a parcela dos pacientes pediátricos que possuem a forma grave da doença, sofrem de coceira crônica, muitas vezes sono interrompido, hospitalizações, além de estigmatização devido as lesões visíveis na peleiii. Há inclusive um aumento significativo de transtornos mentais como ansiedade, depressão e ideação suicida, principalmente na fase infanto-juvenilix x.

A socialização desses jovens se torna um desafio[xi] - muitos sofrem bullying e são excluídos dos grupos de colegas pela suposição coletiva (incorreta) de que DA é uma doença contagiosa e a prática de atividades comuns como esportes ao ar livre, aula de educação física, uma caminhada na praia ou mergulho na piscina, podem ser um pesadelo para quem tem DA gravevii. O contato com suor excessivo também pode agravar a coceira e as marcas pelo corpo vii [xii].

Diante disso, é essencial estabelecer um tratamento efetivo e um arsenal terapêutico robusto para atingir a DA grave na população pediátrica [xiii]. As opções de terapia avançada cobertas pelos planos de saúde, atualmente são indicadas somente para a população adulta, deixando os pacientes pediátricos desassistidos.

A boa notícia é que a ANS está avaliando a inclusão de um novo tratamento biológico para bebês com mais de 6 meses, crianças e adolescentes menores de 18 anos com DA grave na lista de cobertura obrigatória pelos planos de saúde, e todos podem participar dando sua opinião na consulta pública de número 125, até 28 de fevereiro. A participação de cada um pode fazer com que o caminho das famílias que convivem com a DA grave seja menos doloroso permitindo que essas crianças e adolescentes possam se desenvolver de forma plena, saudável e com qualidade de vida.

*Dra. Silvia Soutto Mayor é graduada pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo .

[i] Simpson EL et al. J Am Acad Dermatol 2016;74:491-498. Acesso em: [Fevereiro de 2024]

[ii] Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. "Crianças são as que mais sofrem com dermatite atópica." [Online]. Disponível em: https://asbai.org.br/criancas-sao-as-que-mais-sofrem-com-dermatite-atopica/#:~:text=Cerca%20de%2020%25%20das%20crian%C3%A7as,muitas%20vezes%20resulta%20em%20feridas. Acesso em: [Fevereiro de 2024]

[iii] Eichenfield et al. Guidelines of Care for Atopic Dermatitis. J Am Acad Dermatol. 2014;70(2):338-51. Acesso em: [Fevereiro de 2024]

[iv] Paller AS, et al. J Am Acad Dermatol. 2022;87(5):1104-1108

[v] Silverberg JI. Med Clin North Am. 2020;104(1):157-176

[vi] Pride H.B, Yan A.C. and Zaenglein. Requisites in Dermatology - Pediatric Dermatology. Saunders, 2008 p. 1-9. Acesso em: [Fevereiro de 2024].

[vii] Gelmetti and Wolleberg. Atopic dermatitis- all you can do from the outside. Br J Dermatol. 2014;170 Suppl 1:19-24. Acesso em: [Fevereiro de 2024].

[viii] Correale C., Walker C; Murphy L and Craig T.J. Atopic Dermatitis: a Review of Diagnosis and Treatment. Am Acad Fam Phys, 1999 http://www.aafp.org/afp/990915ap/1191.html. Acesso em: [Fevereiro de 2024]

[ix] Pride H.B, Yan A.C. and Zaenglein. Requisites in Dermatology - Pediatric Dermatology. Saunders, 2008 p. 1-9. Acesso em: [Fevereiro de 2024].

[x] Correale C., Walker C; Murphy L and Craig T.J. Atopic Dermatitis: a Review of Diagnosis and Treatment. Am Acad Fam Phys, 1999 http://www.aafp.org/afp/990915ap/1191.html. Acesso em: [Fevereiro de 2024]

[xi] Patient perspectives on the management of atopic dermatites. Journal of Allergy and Clinical Immunology. Disponível em: https://www.jacionline.org/article/S0091-6749(06)00450-7/fulltext#tbl3. Acesso em: [Fevereiro de 2024].

[xii] Suicidal ideation, mental health problems and social function in adolescentes with Eczema: a population based study. Science Direct. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022202X15369074. Acesso em: [Fevereiro de 2024].

[xiii] Patient perspectives on the management of atopic dermatitis. Zuberbier T1, Orlow SJ, Paller AS, Taïeb A, Allen R, Hernanz-Hermosa JM, Ocampo-Candiani J, Cox M, Langeraar J, Simon JC. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16815160. Acesso em: [Fevereiro de 2024].