Blog do Hayton

e outros casos” (2021) e "Frestas" v(2022).

Com o perdão da palavra

21/08/2024 10h10
Com o perdão da palavra

Numa sexta-feira dessas, enquanto meu amigo buscava um cafezinho na cozinha – havíamos acabado de almoçar –, sua esposa fez um comentário na sala que me deixou pensativo. Ela disse que, em quase meio século de relacionamento, nunca ouviu um pedido de desculpas dele, apesar de ser um bom marido e pai, essas coisas. E ela ouve muito bem, por sinal!

Essa mesma mulher que, quando limpa a garganta com uma cerveja nas tardes de sábado, canta como ninguém “Insensatez”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes: “Vai, meu coração, pede perdão... Perdão apaixonado! Vai, porque quem não pede perdão, não é nunca perdoado”.

Fiquei imaginando como deve ser viver com alguém que nunca pede desculpas. Uma experiência torturante, pensei. Manter uma conexão com quem nunca admite estar errado é como conversar com um espelho – você sempre vê o mesmo reflexo, sem reações genuínas. Embora, confesso, meu espelho tenha mostrado muitas mudanças ultimamente.

Dizem que a pessoa que não pede desculpas têm menos autocompaixão. Não é a perfeição que a impede, mas a vergonha de seus próprios vacilos. Como aquele sujeito que culpa o mau tempo ou o trânsito pelo atraso, em vez de admitir sua falta de planejamento.

Nem todo pedido de desculpas é igual, claro. Um “me perdoa” breve e frio raramente funciona. E se o pedido vier acompanhado de um "mas", esqueça. É como colar uma xícara quebrada com fita adesiva – parece que resolve, mas logo tudo se despedaça de novo.

Desculpas sinceras podem levar a reconciliações duradouras, o que é saudável em qualquer relacionamento. Mas a autocompaixão, quando em excesso, pode ter o efeito oposto. Pessoas que se aceitam demais podem ter menos disposição para pedir desculpas, afinal, erros fazem parte da vida. Só que, se essa postura for longe demais, acaba se tornando um “vale tudo” onde qualquer erro é perdoável – exceto os dos outros, claro.

O comentário da esposa do meu amigo ficou ressoando na minha cabeça. Me fez lembrar que já fui criticado por nunca fazer a mais básica das declarações entre duas pessoas: “Eu te amo”. Algumas vezes ouvi: “Você nunca diz que me ama”. E eu, com o melhor olhar filosófico que consegui, respondia: “Amor se prova, não se diz”.

Interessante é que, geralmente, são os homens que começam a declarar "eu te amo". As mulheres tendem a adiar a emoção, usando isso como um mecanismo de defesa, um tempo para avaliar o parceiro. Já os homens, impulsionados por hormônios, se apressam em dizer "eu te amo", às vezes como uma estratégia para ganhar confiança e abrir caminho para outros objetivos. Ah, a sinceridade dos impulsos!

Esses impulsos, aliás, são inconscientes. As mulheres, no entanto, tendem a suspeitar quando ouvem a clássica declaração cedo demais. Podem ver nisso apenas uma artimanha para chegar a um objetivo menos romântico. Elas preferem ouvir o "eu te amo" depois, talvez porque já tiveram tempo para refletir sobre o custo-benefício das “vias de fato”.

O primeiro "eu te amo" não é apenas uma explosão de sentimentos, mas também um reflexo de expectativas culturais. Os homens, tradicionalmente, tomavam a iniciativa nos relacionamentos, e declarar amor fazia parte do pacote. Era uma forma de garantir que as mulheres não tivessem dúvida de sua conexão emocional.

Com o tempo, o significado de "eu te amo" muda. O que começa como uma expressão de emoção intensa se transforma em um compromisso de cuidar do relacionamento. Passa de fogos de artifício a uma fogueira – menos espetacular, mas muito mais reconfortante.

Mas, afinal, quando essa frase deve ser dita? Não existe regra, mas o importante é que seja genuína. Pode ser depois de três dias, seis semanas ou doze meses. O que importa é a autenticidade do sentimento e a intenção de preservá-lo.

Por ora, ainda curtindo a beleza de ser um eterno aprendiz, não me animo a fazer declarações definitivas. Se bem que, 52 anos de admiração, carinho, cuidado, renúncia e mútua tolerância não são um detalhe. São os pilares de uma história rara nos dias de hoje.

Quando meu amigo voltava da cozinha, observei o casal trocando um olhar que dizia mais do que três ou trinta palavras. É isso. Com o perdão da palavra, os gestos diários de carinho e suporte são tão essenciais quanto um pedido de desculpas sincero ou uma declaração de amor. A autenticidade e a intenção por trás disso são o que fortalece a conexão entre duas pessoas.

Então, minha amiga, relaxe. Talvez o verdadeiro perdão e o amor encontrem abrigo na coragem de reconhecer nossas falhas, enquanto valorizamos os momentos compartilhados. Como aquela troca de olhar entre vocês, construindo a cada dia, pedra por pedra, uma catedral que, mesmo em silêncio, ressoa com a força de uma vida inteira juntos.