Economia
Carapaças e conchas viram bloco e garantem fonte de renda de população ribeirinha
Em comunidades que margeiam as lagoas do estado que carrega o nome em referência a elas - como a Jequiá, Mundaú e Manguaba- o desenvolvimento sustentável é praticado por meio da transformação de uma das atividades mais antigas do local: a pesca de mariscos. Provenientes de uma das principais fontes de renda da população local, as carapaças de siri e conchas de sururu se transformam em materiais sustentáveis, a partir de projetos científicos que buscam dar um destino útil aos resíduos que seriam descartados de maneira imprópria no meio ambiente lagunar.
Dentro do laboratório do curso de engenharia civil do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Campus Palmeira dos Índios, a pesquisa proposta pela aluna do mestrado em Tecnologias Ambientais, Ilka Andrade, sugeriu uma solução inovadora e sustentável de desenvolver blocos de construção utilizando as carapaças de siri que restam após a extração do filé do crustáceo, um dos mais presentes na lagoa de Jequiá da Praia, que faz parte da única reserva extrativista marinha do estado de Alagoas e margeia o município de mesmo nome. Um trabalho que requer atividade que demanda tempo, pesquisa e dedicação.
Pouco mais de 60 quilômetros separam a lagoa de Jequiá e o Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Manguaba, que banha o bairro Vergel do Lago, em Maceió. É nessa região periférica da capital de Alagoas, que outro subproduto deu origem a um novo material utilizado na construção civil o cobogó da concha de sururu.
O reaproveitamento do material e desenvolvimento sustentável proposto pelos projetos científicos buscam soluções para o cuidado e a proteção ao meio ambiente, aliados à diversificação da economia circular e sustentável através da utilização de subprodutos advindos do sururu e do siri, duas espécies comuns no estado de Alagoas e que são fontes de renda para muitas comunidades.
De resíduo à insumo
Moradora da cidade litorânea de Jequiá da Praia desde quando nasceu, a engenheira ambiental Ilka Janiele de Andrade Santos viu na ciência, por meio da pesquisa, uma saída em potencial para resolver o problema da geração de resíduos provenientes das toneladas de carapaça de siri, que, descartadas de maneira imprópria, poluem terrenos e a lagoa de Jequiá.
Foi no mestrado de Tecnologias Ambientais do Ifal que Ilka apresentou, como projeto final para o curso, a produção de blocos de construção civil utilizando como parte da matéria-prima as carapaças de siri trituradas ao ponto de se tornarem uma areia fina. Com o apoio da professora de Engenharia Civil no Ifal, mestra e doutora em Ciência e Engenharia de Materiais, Sheyla Marques, e do graduando em engenharia civil Paulo Evson Soares, a pesquisa começou.
“Antes da carapaça do siri servir de matéria-prima para os blocos, (...) era ali o fim do ciclo de vida do crustáceo, mas ao se transformar em um subproduto e passar a incorporar outros novos, a carapaça passou a ter uma outra finalidade, inclusive, para ajudar no fomento da economia circular local sendo inserida novamente na cadeia produtiva”, explica Ilka Andrade.
Para a produção do concreto que forma um bloco de construção convencional são necessários materiais como brita, água, cimento e areia. Segundo a professora Sheyla Marques, nos blocos sustentáveis, a composição de carapaça de siri triturada substitui em até 80% do que seria somente areia.
Atualmente, a pesquisa já passou pela fase de testes de resistência dos blocos de concreto e obteve resultados bastante satisfatórios e até superiores aos convencionais, faltando apenas o registro oficial do produto final.
"Como é um material novo, a gente tem um cuidado triplicado de ficar realmente testando, ver todas as formulações, para que ele fique superior ao que já existe no mercado, mesmo tendo uma norma estabelecendo, por exemplo, 20 mpas [de resistência], a gente tenta chegar a 25 para não ficar no mínimo”, conta a especialista.
Após o registro do produto, o objetivo é ministrar um curso para que os próprios moradores de Jequiá da Praia, especialmente as mulheres que fazem parte da Associação Mulheres em Ação de Jequiá da Praia (Amaje), saibam desenvolver por conta própria os blocos, e assim possam utilizá-los na construção de uma nova e maior sede para a Amaje, por exemplo, ou até para a comercialização local, gerando uma economia circular.
“Tem essa parte social das mulheres conseguirem reproduzir, replicar e utilizarem nas próprias construções da região, na comunidade, para a Associação, ou quem sabe futuramente vira uma linha de produção. Mas até na linha de produção a gente também tem que ter esse cuidado ambiental, porque a proposta, inclusive vamos passar isso no curso para as mulheres, é que seja uma produção numa escala que não impacte mais o meio ambiente, pois também depende da sazonalidade do siri”, relata Sheyla Marques.
Ciência popular
Se o bloco feito de carapaça de siri surgiu após muita pesquisa e estudo dentro do ambiente acadêmico, o adubo produzido na Amaje é resultado do conhecimento empírico das moradoras nativas, que após realizarem algumas misturas com outros produtos, perceberam que o material era eficiente para utilização no cultivo de plantas e hortaliças.
“Começamos a recolher as carapaças e, como a gente não tinha solução, eu comecei a triturar em casa. O que tinha de caixa e bacia a gente saiu usando, quebrava as carapaças no pilão e passava aos poucos no liquidificador, que depois quebrou todinho, mas a gente conseguiu, na marra mesmo. Aí eu comecei a testar nas minhas plantas, eu fazia a compostagem e aguava elas direitinho e ficou show de bola o resultado das plantas, um verde excelente e cresceu muito rápido”, conta a presidente da Amaje, Eliane Farias, quem teve a ideia de criar adubo com os subprodutos do siri.
*Agência Tatu
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