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A cachorrada é grande!

Por Hayton Rocha 10/08/2023 08h08
A cachorrada é grande!

Você deve ter visto na Internet a notícia de que um youtuber japonês, apelidado de "Toco", anda sacudindo as redes sociais após gastar mais de R$ 70 mil numa fantasia hiper-realista de cachorro da raça border collie. O perfil "Eu queria ser um animal", criado em abril do ano passado, já conta com cerca de 32 mil inscritos e 12 milhões de visualizações.

O "animal" aparece em vídeos passeando pela calçada, rolando no chão, brincando no quintal ou lambendo uma tigela. Ainda não aprendeu a, de quatro, levantar a pata traseira e molhar os postes que encontra pelo caminho, mas, imagino, uma hora chegará lá.

“Eu morro e não vejo tudo!”, diria minha tia. Que, aliás, ficou livre de ver esta! Já se foi o tempo em que a expressão “vida de cachorro” significava uma existência cheia de problemas. Hoje, muito pior é vida de vascaíno.

Aos poucos, o cão foi ocupando um lugar de destaque entre os humanos e já figura em segundo lugar na escala afetiva familiar, só perdendo para bebês recém-nascidos. De famílias ricas ou remediadas, bem entendido!

Tornou-se comum o cão se humanizar e o homem virar cachorro, se bem que existem muito mais exemplos do segundo caso, sobretudo no mundo empresarial. Quem nunca foi vítima de uma cachorrada que rosne ou atire a primeira pedra!

Noto cada vez mais características tipicamente humanas nos cachorros, embora ainda lhes falte andarem armados, matando-se uns aos outros. Ultimamente, aliás, já são avaliados até pelo seu aspecto psicológico. Algumas corporações militares, inclusive, apressam a aposentadoria dos farejadores mais velhos. Deveriam despachar também certos membros da tropa chegados a uma cachorrada.

Renatinho “Perna Curta”, um galego cheio de lorotas que morou no meu bairro nos anos 1970, contava que ensinou seu pastor alemão a, toda semana, buscar O Pasquim na banca da esquina. Um dia, o bicho rosnou, latiu, bateu patas, cravou as unhas no tapete e não foi. Quis deixar claro, segundo ele, que a partir dali só faria cocô e xixi sobre folhas de Fatos e Fotos ou Manchete. Achei um exagero, mas...

Com a gradual troca de casas por apartamentos, a educação canina tornou-se imperativa por causa de regras estabelecidas nos condomínios. Afinal, cachorro de apartamento (atenção: não me reporto àquele morador que você acaba de lembrar!) necessita ir à rua todos os dias, marcar território. Bem, é possível que o vizinho ou até mesmo o síndico também tenha de passear umas duas vezes por dia.

A mãe de Renatinho, voltando ao galego a que me referi, teria comentado na manicure que o pastor alemão de seu filho era até educado demais. Costumava abocanhar só a folha de “classificados” do Jornal de Alagoas e se trancar no banheiro. Vai ver procurava anúncio de uma cadela de programa que assegurasse absoluta discrição desde a primeira farejada no bocal da arenga.

Bem, a última grande cachorrada de que tive notícia aconteceu há poucos meses, após a pandemia de coronavírus. No Brasil, o abandono de animais domésticos cresceu 70%, segundo a AMPARA Animal, uma organização que ajuda às ONGs e aos protetores independentes da causa. Bichos que antes tinham comida, abrigo, saúde e segurança, agora passam fome, medo e sofrem maus-tratos nas ruas de todo o país.

Pra botar ordem na bagunça, um conhecido deputado federal está colhendo assinaturas para apresentar um projeto de lei que obriga o registro de todos os bichos urbanos e proíbe a permanência em áreas sensíveis como bares, cinemas, hotéis, igrejas, órgãos públicos, praças de alimentação, praias e supermercados. Claro, uma nova estatal será criada para tocar o assunto – outra frente facilitadora da velha prática do “toma-lá-dá-cá”.

Vai começar pelas 100 principais cidades, onde se pretende exercer uma rigorosa fiscalização. Bicho que for encontrado sem coleira nem documento será preso por vadiagem. E, você sabe, a vadiagem por aqui já passou dos limites – tem gente graúda, inclusive, se sustentando de “vaquinhas digitais” e correlatos.

Caninos e felinos de rua que forem apreendidos ficarão detidos por três dias. Se não aparecerem os donos, serão abatidos e exportados para o Oriente, sobretudo as regiões de Guangxi, Guizhou e Cantão, e em áreas do nordeste chinês, onde vive uma grande população da etnia coreana.

No caso de bovinos, caprinos, ovinos e galináceos, o prazo de espera dos donos será de apenas 24 horas. A partir daí, a lei facultará a imediata ressocialização dos presos, mas sob a forma de guisados e sopas para os moradores de rua de nossa Pátria amada.

Agora falando sério, alguém precisa lembrar ao youtuber japonês que seu dinheiro pode ter destinação bem mais decente, pois 15 pessoas ainda morrem de fome pelo mundo afora a cada minuto. Do Afeganistão ao Zimbábue.