Essa coisa de especialista pra tudo que existe anda passando dos limites!
Circula na Internet um anúncio publicitário de um cirurgião dentista oferecendo biodecodificação dental. Trata-se, segundo ele, de uma leitura da mensagem subliminar embutida nos dentes, seja lá o que isso signifique.
Diz que, através de uma radiografia panorâmica, é possível ter acesso aos conflitos emocionais vividos, às heranças transgeracionais e à compreensão das relações humanas, buscando algo mais nobre do que o simples fato de viver melhor: o equilíbrio interior, o reencontro com a autenticidade, a integridade de ser, e “livrar-se das repetições que prendem”.
E quis ser mais objetivo: “o procedimento é uma espécie de chave para compreender e ajustar os relacionamentos, um caminho para libertação da culpa e do julgamento, um aprendizado da verdadeira responsabilidade individual, uma promessa genuína e verdadeira de vida…”
Nem bem me recuperei do susto, corri até o espelho do banheiro para procurar indícios da tal mensagem subliminar em minha arcada dentária amarelo-café. Nada encontrei, juro!
Resolvi caminhar um pouco para espairecer e dei de cara com outra peça publicitária única, colada num poste: o centro espírita “Prazeres do Além” propõe às viúvas em geral que experimentem momentos de prazer “com seus falecidos maridos”. E recomenda trazer uma cueca do defunto (limpa, presume-se, livre das “marcas de freio de bicicleta”).
Para quem viaja de avião, ônibus ou trem, ou precisa pernoitar fora de casa, sabe-se que guardar dinheiro e cartões de crédito pode tornar-se um problema sério. Por isso existe o money belt, uma pequena bolsa de tecido com um fecho que se prende à cintura por baixo das calças ou da camisa.
Se for dormir em hotel, óbvio, o viajante poderá guardar os pertences no cofre. Porém um especialista inventou o esconderijo perfeito, unindo as vantagens de um com as virtudes do outro: o brief-safe (cofre-cueca, em tradução livre).
O cofre-cueca é um dispositivo comercializado por uma empresa norte-americana de equipamentos militares para guardar cédulas, documentos e outros valores num compartimento secreto de 10x25 cm, fechado por um velcro. Um detalhe “especial” na parte inferior permite que seja deixado à vista em qualquer lugar sem qualquer risco. Ninguém se atreve a mexer. Custa 10 dólares e vem na cor branca, com uma “marca de freio” na cor castanha. Só falta um borrifador com o odor característico artificial para atingir a plenitude estética e olfativa.
Daqui a pouco vai ter brazuca negociando uma parceria com outra firma estrangeira que oferece um serviço cuja aceitação vem crescendo de forma assustadora: se o seu ente querido foi cremado e você não sabe o que fazer com as cinzas, pode pintar uma tela em preto-e-branco com os restos mortais e pendurá-la na parede. Preço a combinar, caso a caso.
Me contaram, aliás, que está sendo criada em São Paulo (com perspectivas de expansão para Brasília e Rio) uma startup bastante promissora. Se a pessoa está errada em determinada situação e pretende pedir desculpas, mas não tem coragem de procurar quem deve perdoar, contrata uma especialista nisso. A ideia é cobrar, via PIX, R$ 200,00 por um pedido de desculpas por telefone (ou mensagem), e R$ 600,00 por um pedido pessoalmente. Agora, sim, esse tipo de desgaste tem custo e preço!
E se alguém resolve cair na orgia depois do trabalho, sem deixar pistas de onde esteve (nem com quem), a plataforma disponibilizará um ônibus-leito devidamente equipado para curar enxaqueca, náuseas e queimação de estômago.
A pessoa será hidratada com isotônicos e sucos variados, com açúcar mascavo ou adoçantes naturais, além de receber medicação intravenosa para acelerar a metabolização do álcool e outras substâncias tóxicas. O maior risco é encontrar lá dentro, se restabelecendo de outro bacanal, a própria cara-metade, que amanhecera com o mesmo propósito.
E enquanto se recupera dos estragos de ordem geral, um especialista cuidará de remover de suas roupas eventuais manchas de secreções, delineador, lápis de olho e rímel, com água, álcool e glicerina. Acetona e detergente, só no caso de batom.
Como se vê, surgem especialistas pra tudo o que se imagina. E uma de minhas maiores frustrações confessáveis é não ser especialista em merda nenhuma. Até cogitei trabalhar como técnico de um laboratório de análises clínicas, mas desisti. Nunca levei o menor jeito pra coisa.
Hoje, metido a farejador de notícias do cotidiano, ando pensando em me aprofundar no que classifico de "jornalismo relativo". Se aconteceu, pode ser fato; se for mentira, mais ainda. Tudo depende da troca ou do troco, da verba ou do verbo.
Quem sabe, viro especialista. Querendo, posso vender bem o que for publicar e, melhor ainda, aquilo que resolver não publicar. Afinal, um contador de histórias não deve se preocupar com a verdade. As versões por aqui costumam ser mais verdadeiras que a verdade.
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