Alma e pele vermelha do Sertão alagoano
Quem luta por si é forte
quem por todos, ainda mais
quem se entrega a luta nobre
nome na história faz
há pessoas escolhidas
que nas lutas aguerridas
tem liderança na veia
e que a lutar se proponha
como houve em Pariconha
o grande José Correia
Rafael Carvalho
Zé Correia, líder de Pariconha, em 6 de janeiro deste ano, foi velado (também) sob os rituais indígenas, num toré de despedida – com a devida aprovação do pároco local. Dentre os cantares pancararus, o pajé Zé Clovis tomou o cuidado de inserir, de vez em quando, em bom e audível português, uns louvores cristãos.
José Correia de Sousa era o nome de batismo, nascido no sertão alagoano, por onde corre o Moxotó, rio que trabalha como divisa entre Pernambuco e Alagoas e se despeja no Rio São Francisco, nas imediações do Véu de Noiva, principal cascata da Cachoeira de Paulo Afonso (quando a CHESF abre as comportas).Integrante da etnia Pankararu (originária de Brejo dos Padres, Tacaratu/PE, que em Alagoas bifurca nas tribos Katokinn e Jiripancó) Zé Correia, certamente, é a liderança de genuína raiz indígena que mais se destacou no cenário político/partidário alagoano, com militância principiada na Ação Popular, ainda nos anos 60.
DA ESQUERDA CATÓLICA AO PCdoB
Retalhos dessa experiência da AP, em sua fase maoísta, nos ermos do Sertão alagoano, podem ser conferidos no livro “Alma em Fogo” (Editora Anita Garibaldi, 2013), do goiano Aldo Arantes, ex-presidente da UNE e, a partir de 1964, um dos ativistas mais perseguidos no Brasil – “Roberto”, para os vizinhos em Pariconha.
José Gomes Novais (1928/1992), nativo do lugar e dirigente camponês de relevância, deve ter sido o autor da ideia, aprovada pelo Comitê Central da AP, de esconder seu mais notório dirigente num desconhecido povoado alagoano. Afinal, quem iria procurar uma liderança urbana nacional naquele fim de mundo que nem município era?
Coube aos Correia recepcionar e organizar a vida do “Roberto” e família – gente branca e alourada – num habitat cafuzo e caboclo. Zé presidia a cooperativa do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, por sua vez presidido por seu irmão Josué. Essa experiência está retratada no livro “A Serra dos Perigosos” (EDUFAL, 2007), do professor Amaro Hélio.
Da família Correia de Sousa, José, Josué, Geusa e Jaime – filhos de Seu João e Dona Maria – eram militantes de AP, relata Edberto Ticianeli no site História de Alagoas, acrescentando que os outros irmãos, Geraldo, Judite, João e Gilberto também militavam, mas em menor grau. Esse trabalho, que deveria ser clandestino, chama a atenção e é desbaratado pela ditadura em 1968, com a prisão de Arantes, demais visitantes e nativos.
REVIGORAÇÃO POLÍTICAN
os anos 80, depois de 14 anos de rigorosa clandestinidade e isolamento, a célula da ribeira do Moxotó procura contato. Zé Correia vem até Maceió para uma reunião do PMDB, buscando uma luz à esquerda – que reencontra em Alba Correia (apesar do sobrenome, não eram parentes). A partir daí, num pulo no tempo, o PCdoB de Alagoas é presenteado com uma ancestralidade desconhecida até então.
Zé Correia faz sua reestreia na política aberta em 1982, nas campanhas de Renan Calheiros (federal) e Eduardo Bomfim (estadual) e, nos anos seguintes, reestrutura as antigas células sertanejas de AP como organizações de base do PCdoB, que – em sendo partido ilegal então – orientava seus militantes a atuarem no PMDB.
Passou a liderar, desde 1983, o movimento pela emancipação de Pariconha. Luta demorada, mas vitoriosa no final. O novo município foi desmembrado de Água Branca em 5 de outubro de 1989, mas a instalação formal só é realizada em 1º de janeiro de 1993, com José Correia de Sousa indicado como primeiro prefeito pariconhense.
Depois de tantas décadas de luta, a saúde de Zé Correia começou a falhar. Sofreu um primeiro derrame há 11 anos, trabalhando na roça; outros AVCs foram o debilitando desde 2013, mas seguiu atuando enquanto teve forças. Hoje é o sétimo dia (pela contagem católica, que inclui o dia da morte) de sua despedida. Cumpriu suas missões com louvor, foi um grande alagoano de sangue índio e coração socialista.
Viva Zé Correia!
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