Jogos de poder
O eleitor que não foi às urnas no último domingo e não apresentar justificativa em até 60 dias vai ter que pagar à Justiça Eleitoral uma multa de R$ 3,51 (isto mesmo que você leu!). O que justificaria essa “promoção” para uma omissão tão séria na vida democrática do País?
No Brasil, as siglas partidárias adoram confundir o eleitor. O nome? Pode ser qualquer um, menos o que de fato representam. Socialistas que são trabalhistas, trabalhistas que flertam com o social-democrata, social-democratas com alma liberal, liberais com traços autoritários, rentistas com jeito de rentistas mesmo. E, claro, progressistas que parecem conservadores, além de conservadores que têm um pezinho no reacionário. Um verdadeiro baile de máscaras que deixa o eleitor se perguntando se foi parar na festa errada.
Os partidos? Viram coadjuvantes no grande palco eleitoral. E quem fica no centro das atenções? O candidato, é óbvio. O eleitor cada vez mais vota "na pessoa", não na ideologia. Escolher alguém pela autobiografia – ou ficha policial, em alguns casos – virou moda, como se o sujeito fosse uma ilha, alheio ao grande circo político.
Os políticos perceberam o truque: basta caprichar na embalagem. Nas campanhas, o partido é quase irrelevante. O que vende é o pretenso currículo. A desinformação, então, brota como erva daninha. Boatos se espalham com o vento, alimentando uma plateia que já não sabe distinguir entre o real e o imaginário das siglas.
O nome pode não dizer nada, mas a retórica revela intenções. Claro, não é fácil, mas se o eleitor não fica atento, acaba como prato principal no banquete do marketing político – e nem notará que está engolindo desinformação, fria e sem tempero.
Foi nessa confusão de siglas que lembrei da minha primeira experiência política, igualmente desorganizada e cheia de "jogos de poder". Desde moleque, descobri que esse caminho não era pra mim. Meus irmãos podem confirmar: um dia, lá em 1966, fui eleito prefeito... da nossa rua. Verdade! Aconteceu em Patos, no Sertão da Paraíba, na época da disputa acirrada pra governador entre João Agripino (UDN) e Ruy Carneiro (MDB), acompanhada voto a voto pela Rádio Espinharas.
A molecada andava solta no meio da rua, colecionando "santinhos" dos candidatos. Nessa agitação, surgiu a ideia de eleger um prefeito para a Rua Bossuet Wanderley. Sabe Deus pra fazer o quê, sem verbas públicas pra gastar nem novos impostos a arrecadar. Mas, na política, quem liga para o que vem depois da vitória?
Ninguém queria enfrentar Lindomar, o "Lindo", um moleque brigão e dentuço, que imitava o lutador Ted Boy Marino. Derrota garantida. Mas, sem disputa, que graça teria? Me colocaram na jogada, sabendo que a vitória seria quase impossível. Dos 20 eleitores, uns 15 juravam voto pro Lindo antes mesmo de começar.
Primeiro, fui até Zé Augusto, o mais velho e respeitado da turma. Éramos vizinhos. Ele recusou, pois não queria encrenca com Lindomar. Mas num cochicho, prometeu ajuda secreta. Bastou lembrá-lo do dia em que eu o vi insinuando saliências à cozinheira da casa dele, casada com o vigia noturno.
Cleto e Flávio, dois amigos de Lindomar, também mereceram uma "conversa de pé-de-orelha". Flagrei os dois numa situação, digamos, delicada, e propus: votem em mim e fica tudo apenas entre nós, mas podem dizer que votaram nele. E teve Gilmar, que mudou de lado depois de levar uns sopapos do irmão de Lindomar, Elpídio. De olho no possível lucro eleitoral, seja qual fosse o desfecho da encrenca entre eles, cruzei os braços e não apartei a briga.
Eu poderia ter um belo futuro, não fosse o sonho desfeito a poder de zanga da principal autoridade eleitoral da época. Uma espécie de Cármen Lúcia sem papas na língua, como veremos adiante.
No grande dia, a surpresa: ganhei por um voto. Furioso, Lindomar pediu recontagem, mas já era tarde. Só faltou me dar uma cadeirada, ferindo o decoro da disputa. Se tivesse justiça eleitoral de rua, eu estaria respondendo por "lesão corporal política". Cantei vitória, mas não durou muito. Minha mãe apareceu na janela com um chinelo na mão:
– Venha já pra casa, cabra safado! Saia daí antes que eu conte pro seu pai no que você tá se metendo!
Como uma juíza implacável, ela me fez renunciar antes mesmo da posse. Um pouco mais tarde, nossa família mudaria para Alagoas. Trinta e cinco anos depois, quando voltei à Paraíba, descobri que boa parte dos “eleitores dentes-de-leite” daquele tempo tiveram um trágico destino, vítimas de brigas de gangues e da violência que tomou conta de suas vidas.
Sei lá! Os pais têm uma habilidade sobrenatural de cortar as asas dos filhos antes que eles subam ao palco errado. Pressentem quase tudo. Mas será que, se não fosse pela bronca da minha mãe, teria feito alguma diferença naquele destino cruel que aguardava meus amigos de rua? Ou já estávamos todos predestinados a sermos apenas peças de um grande jogo, sujeito a regras que nunca entenderíamos?
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