Cultura
O Paradigma das Novas Relações Mundiais
Uma sociedade mais inteligente, um sistema nunca antes experimentado: é isso que talvez vivamos para ver. A partir do colapso das economias causado pelo coronavirus, uma nova ordem pode surgir, otimizando a forma do mundo capitalista desempenhar seu papel como motriz de riquezas e de bem-estar social.
Para entendermos isso melhor, precisamos fazer uma rápida digressão. Vamos identificar o poder transformador de algumas variáveis que historicamente foram determinísticas à maneira de como hoje nos encontramos organizados. Vamos também analisar alguns outros fatores que moldaram a evolução da nossa atual estrutura socioeconômica. Faremos uma breve viagem no passado para observar movimentos que se desenvolveram a partir da necessidade de sobrevivência dos humanos em torno das suas expectativas, possibilidades e vocações naturais.
Se nos perguntarmos e pesquisarmos por que existem regiões do nosso planeta onde algumas civilizações historicamente evoluíram mais que outras, encontraremos teses antropológicas que apontam o fator climático como indutor/obstrutor dessa evolução. É nessas teses que sustento minhas considerações e conclusões iniciais.
Esses estudos científicos explicam que aquele ser humano primitivo que habitava as regiões mais frias, para não morrer de fome no inverno, acumulava e conservava a caça, a pesca e os grãos disponíveis. Esse indivíduo também precisava se cobrir e se calçar para estar protegido do frio intenso. Diante dessas dificuldades naturais, ele criava instrumentos para a obtenção de proteína animal, desenvolvia ferramentas de plantio e colheita agrícola, assim como inventava técnicas de confecção de roupas e calçados. Esses primitivos aprenderam que precisavam acumular durante os tempos bons para poderem sobreviver nos tempos difíceis; contavam com a criatividade, filha da necessidade, para produzir tecnologia.
Primitivos
Por outro lado, essas mesmas teses climáticas explicam que outros humanos primitivos, os que eram habitantes das áreas tropicais do planeta, durante todo o ano tinham de forma abundante a caça, a pesca, grãos, hortaliças e frutas, independentemente das estações. Esses indivíduos não precisavam acumular e não tinham necessidade de desenvolver instrumentos ou técnicas de conservação, tampouco precisavam se proteger do frio: podiam, inclusive, andar nus, sem qualquer proteção.
Nesse meio tempo, tão logo os habitantes primitivos das terras mais frias conseguiram desenvolver meios terrestres e aquáticos de transporte, começaram também a penetrar e a se aventurar por territórios menos frios, descobrindo que ali havia muito mais facilidade e maior disponibilidade de alimentos; eram bens que poderiam ser coletados, trazidos até às terras frias onde eles habitavam e lá acumulados.
Nesse ponto da história, percebemos que foi muito provavelmente aqui que se iniciaram os conflitos entre os povos do frio e os povos dos trópicos: colonizações, invasões, explorações predatórias de diversas riquezas e a famigerada prática da escravidão de humanos.
Não obstante, o objetivo desta breve análise histórica é entendermos como a acumulação de bens deu poder, riqueza e fartura àqueles humanos primitivos das terras frias, da mesma forma que também os impeliram a desenvolver novas técnicas que dotaram-nos de ainda mais autonomia e mais poder acumulativo, ou seja, de capital produtivo. Eis então uma possível explicação antropológica das origens do que chamamos de “Capitalismo”.
Isso posto, vem a pergunta: se esse comportamento humano é instintivo e natural, onde está o nó górdio da questão?
A resposta está na coletividade. Como animal, o humano é dotado do instinto de sobrevivência, mas também é dotado de outros instintos que o caracterizam como único ser racional vivente neste planeta. O segundo mais importante e basilar desses seus instintos é a “Gregariedade”, comportamento caracterizado pela necessidade de viver em comunidade, de buscar ajuda em seus semelhantes, de ajudar seus semelhantes, de compartilhar meios e opiniões, de demonstrar afeto, empatia, amor, compaixão, proteção e solidariedade como seu próximo.
Vida em comunidade
Em outras palavras, o humano precisa estar em comunidade para sobreviver - tanto material, quanto emocionalmente - e para isso não pode prescindir de cumprir regras de conduta socialmente aceitáveis. Por exemplo, se um humano impõe sofrimento a um outro submetendo-o a condições de miséria subserviente, explora-o impiedosamente ou mesmo lhe ceifa a vida, outros humanos sentirão compaixão, indignação e revolta; a comunidade buscará impedir aquele ato e protegerá o indivíduo que esteja sendo acometido de agressão e injustiça.
Será que vivemos numa comunidade assim, onde muitas pessoas vivem em condições de absoluta penúria, em estado de miséria material, sendo exploradas impiedosamente, sem segurança, sem condições de tratar da saúde, sem direito a ter uma educação que lhes permita estarem inseridos competitivamente no mercado de trabalho, sendo diariamente achincalhadas sarcasticamente por autoridades debochadas que se ocupam apenas em saquear impunemente os cofres públicos e desfrutar privilégios absurdos que concedem a si próprios?
Propósitos espúrios
Alguém acredita que seja possível manter um sistema desse funcionando por muito tempo, mesmo tendo boa parte da mídia como aliados, funcionando para servir aos propósitos espúrios dos interesses de grupos que se instalaram criminosamente nos poderes constituídos?
O comunismo é filho do capitalismo, filho de uma gravidez indesejada. Há uma relação causal direta entre a prática abusiva do capitalismo, aquilo que chamamos de “capitalismo selvagem” e o surgimento de movimentos sociais revoltosos de viés ideológico comunista, nos quais se propõe que a sociedade se reorganize em torno de uma ideia socializante. Os principais pilares dessa ideia são a abolição da propriedade privada e a criação de uma sociedade sem classes. Essa relação de causalidade é real e pode ser constatada cientificamente em bibliografia farta. Sobre essa relação causal entre capitalismo selvagem e comunismo, eu gosto de recorrer à Lei de Newton, lei que diz que “A toda ação corresponde uma reação, de igual intensidade e em sentido contrário”.
Conceitos
Karl Marx, considerado pelos historiadores como sendo o “pai da filosofia comunista”, definiu sua ideologia a partir desses dois conceitos que mencionei anteriormente: a inexistência de bens privados e de classes sociais. Marx cita a era do humano caçador-coletor como sendo o primeiro registro histórico onde o comunismo foi praticado, cerca de vinte mil anos atrás, logo anterior ao Período Neolítico. Há evidências arqueológicas que quando o humano criou suas primeiras comunidades tribais, todos os bens de subsistência eram divididos e os meios de produção eram compartilhados. Quanto à segunda premissa comunista, a existência de uma sociedade sem classes, há evidencias disso em alguns períodos na Grécia antiga. Platão, na famosa obra “República”, narra um Estado onde as pessoas compartilhavam seus bens e onde não havia classes sociais.
Avançando no tempo, encontramos outras citações de ideias comunistas colocadas em prática. A “Revolta dos Escravos Romanos” em 109 a.C foi motivada e planejada segundo ideias socializantes. No século V a.C, Ahura Mazdak liderou uma reforma socialista na antiga Pérsia (hoje, Irã), instituindo um sistema de propriedade coletiva, assim como vários projetos de assistência social patrocinados pelo Estado, desafiando os privilégios da burguesia e do clero.
Um pouco mais tarde, os Diggers, puritanos religiosos ingleses do século XVII, defendiam um pensamento comunista e lutaram pela abolição da propriedade privada.
Já o “Comunismo Científico” é um termo relativamente bem mais recente. Esse termo foi cunhado por um sujeito chamado Vladimir Ilyich Ulianov, mais conhecido pelo pseudônimo de “Lenin”. Lenin era um revolucionário comunista, político e teórico russo que foi Chefe de Governo da Rússia Soviética entre 1917 e 1924 e depois da União Soviética, a partir de 1922 até sua morte. Ele cunhou esse termo à época da Revolução Industrial ocorrida na Europa no século XIX, quando o sistema capitalista foi acusado de ser o causador da miséria do proletariado e das condições deteriorantes em que homens e mulheres trabalhavam nas fábricas.
Na Revolução Russa de 1917, pela primeira vez um partido se intitulou “comunista”, tomando o poder do Estado. Um pouco mais tarde, em 1946, os russos, através do Movimento Comunista Internacional criado em 1919 na cidade de Petrogrado, ajudaram os chineses a fazer Revolução Comunista deles, liderados por Mao Tse-Tung.
O que todos esses eventos que descrevi acima têm em comum?
1) Sem exceção, imediatamente antes do surgimento de todos esses eventos históricos, havia abuso, havia fome, miséria e condições socialmente insustentáveis.
2) Todos essas experiências históricas que um dia deram vida ao comunismo como regime de governo, falharam, faliram, desapareceram.
A exceção é o regime comunista da China, que por enquanto ainda existe, mas que para sobreviver até agora mascarou o direito à propriedade privada, manipulou a estratificação das classes sociais e impôs um preço que possivelmente ninguém em sã consciência queira pagar: viver sem democracia sob um regime de ditadura, sem direitos humanos, sem direitos trabalhistas, sem liberdade de pensamento, sem liberdade de expressão, sem governança e sem institucionalidade participativa.
Em 1976 com a morte de Mao Tse-Tung, líder da Revolução Comunista Chinesa e fundador da República Popular da China, o seu sucessor - Deng Xiao Ping - orientou o planejamento de seu governo para salvar o país da falência, focando em quatro áreas principais: Ciência e Tecnologia, Agricultura, Indústria Bélica e Indústria de Base, além da criação das ZEE´s - Zonas Econômicas Especiais - que foram organizadas para receber empresas nacionais e multinacionais de capital misto. A China criou então uma autodenominação esdrúxula para caracterizar seu novo regime de governo, já que vive uma perturbadora crise de identidade: continua sendo um governo ditatorial comunista, mas ávido e ansioso pelos encantos do capitalismo. Eles se autodenominam “Capitalistas de Estado”. Nesse regime chinês de faz-de-conta, o partido comunista comanda ditatorialmente a sociedade e o funcionamento da economia, mas os líderes e apaniguados do partido degustam o saboroso lucro auferido por algumas empresas privadas que operam industrial e comercialmente.
A China hoje é um refúgio que tem seduzido boa parte da esquerda mundial, já que desde a pá de cal da Perestoika soviética de 1986 e da Wiedervereinigung alemã de 1990, não apareceu nenhuma outra alternativa no mundo que se proponha a hospedar a ideologia comunista.
O capitalismo não é perfeito, mas é a única filosofia que se coaduna com a natureza humana e que remunera justa e meritocraticamente aqueles que mais trabalham, que mais se arriscam e que demonstram maior competência em realizar empreendimentos produtivos. Vagabundos, indolentes, incompetentes e baderneiros não costumam apreciar o regime capitalista.
O comunismo é apenas um efeito colateral nascido dos eventuais abusos e excessos do capitalismo selvagem e, ao longo da história, o comunismo se provou absolutamente inviável, pois é socialmente utópico, ideologicamente totalitário, economicamente inviável, dialeticamente obtuso, cerceador das liberdades civis e castrador da livre iniciativa.
Mas o termo “Capitalismo Selvagem” ou “Capitalismo Burro” que descreve a eventual prática abusiva do capitalismo, também não foi cunhado à toa. Ele representa alguns dos piores sentimentos que existem no ser humano e reflete os excessos de poder dos quem detêm os meios de produção sobre seus semelhantes: a falta de senso de civilidade, o desprezo pela coletividade, a ambição sem limites, o egoísmo superlativo e a desconsideração pelo bem-estar do próximo.
Comunistas e Capitalistas Selvagens têm alguns aspectos em comum. Um deles é a estratégia de produzir um contingente de miseráveis subservientes, com baixíssimo grau de escolaridade, sem formação profissional, vivendo para servirem de massa de manobra política partidária e serem explorados laboralmente; essa estratégia funciona por algum tempo, mas nunca deu certo a longo prazo. Esse contingente de miseráveis termina por um dia virar a mesa de um jeito ou de outro e se insurge contra os abusos, contra a degradação, contra a tirania e maus tratos recebidos.
A história mostra que não é tocando fogo no circo, batendo panelas e nem destilando ódio recalcado que se procede uma transformação social; não é açodadamente que uma sociedade evolui em termos de melhores condições, de oportunidades equânimes e de uma repartição de ganhos menos desigual. É com inteligência e disciplina que se faz isso, com inteligência calcada em princípios éticos, sob a égide da educação, do patriotismo e da preservação dos valores humanísticos.
Verdadeiros transformadores não pegam em armas; pegam em canetas e papel, ou em teclados e megabytes, para ser mais moderno.
A missão dos governantes responsáveis e patriotas, dos educadores, pesquisadores, analistas e pensadores não é criar estados de desesperança, baderna, nem histeria coletiva; é grande a responsabilidade de quem dispõe de conhecimento fundamentado e útil; é ainda maior o compromisso de quem é formador de opinião e utiliza-se dos meios de comunicação de massa. A verdadeira missão desses é jogar luz sobre caminhos seguros, abrir janelas de oportunidades prolíferas e ensinar lições de civismo consequente.
A ideia de uma nova relação mundial não é um sonho imagético johnlenoniano, não é romantismo intelectual, ingenuidade ou sentimentalismo néscio; ao contrário, é puro pragmatismo. Acredito que esse novo paradigma seja uma adaptação inteligente do nosso atual sistema de relações socioeconômicas que viabilize a construção de uma nova ordem capitalista ainda mais próspera, mas blindada aos abusos do capital.
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