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Das memórias afetivas ao ‘cheiro do sangue’ registrado nas paredes
Sabe bem da dor e da tristeza profunda quem viveu lá. No Pinheiro, no Bom Parto, no Mutange e em Bebedouro. Eles sabem e exprimem suas indignações e mágoas com o monstruoso crime praticado pela Braskem nesses bairros.
Nessas áreas, no cenário desolador que apresentam há de tudo. Menos vida. E tudo registrado nas paredes das casas e de prédios em ruínas.
Lá estão as lembranças, memórias de décadas vividas pelas famílias, saudades e a raiva incontida com o descaso.
Na parede a seguir, a foto diz bem do sentimento melancólico: não era para ser assim.
Não era. Mas foi assim. O crime da Braskem mineradora aconteceu, está impune e as autoridades parecem não se dar conta do vazio que ficou nas vidas de milhares de pessoas, de famílias que, mais que o patrimônio, perderam a alegria de viver.
E não apenas as autoridades estão distante. A elite alagoana faz que não vê a agonia dessa população, vítima do capital, da ganância, da especulação financeira, da barbárie do mercado, que gerou a destruição de quatro bairros históricos e de seus habitantes.
Essa elite é conivente com as lágrimas derramadas e com a destruição dos sonhos de cada família, interrompidos de forma criminosa.
O silêncio das autoridades e da sociedade em geral dói na alma de cada ex-morador do Pinheiro, do Bom Parto, Mutange e Bebedouro. O silêncio é roteiro da acomodação e de acordos espúrios, nesse enredo da maior tragédia humanitária já vista no Estado de Alagoas.
É contra o crime da Braskem e o silêncio da sociedade que a população deixa registrada o seu grito por justiça. De fato e direito.
Embora, a maioria também o sabe e comunga com o pensamento do escritor uruguaio, Eduardo Galeano, quando disse que “a justiça é como a serpente: só morde os pés descalços”.
O sentimento está exposto em cada parede, em cada porta e janelas derrubadas; em cada rua vazia, em cada prédio abandonado nesses bairros já transformados em regiões condenadas, cemitérios de sonhos, projetos, e da vida feliz que um dia habitou por lá.
As marcas estão em toda parte. Aquele cheiro do pão quentinho da padaria da esquina faz tempo que não existe mais. A fumaça do galeto assado no bar da Maria, aos domingos, também se evaporou. O cheiro de hoje é outro.
E esse cheiro está devidamente registrado pelo morador que foi expulso da casa que construiu com sacrifícios.
Enfim, o crime é real, é perverso e há culpados. Mas, enquanto o silêncio perdurar, a justiça para as vítimas vai ser sempre um faz de conta que paguei.
Não importam as lágrimas, a tristeza sem fim, a dor da alma de quem foi obrigado a deixar tudo para trás e – mais obrigado ainda – a se jogar todo em um recomeçar de novo, bem longe de casa.
De fato, essa é uma conta que nem o dinheiro cheiroso da Braskem vai pagar.
Site: éassim
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