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Sal Refinado

29/12/2021 11h11
Sal Refinado

Sou um médico na ativa. Sou da terceira idade , já salvei muitas vidas, já perdi noites de sono tentando salvar outras. Sou como o sal refinado pelo tempo e experiência. Segundo Ciro Gomes, não tenho valor, sou branco, fácil de achar e barato.

Hoje, aos 65 e 10 meses, já não passo as noites ao lado dos pacientes, junto com bactérias multirresistentes, já não sirvo para essa função tão desgastante. Mas, na vida sempre tem um Mas, como sal refinado, tenho a experiência vivida pelas lutas nas noites insones, a paixão pela arte da medicina arde em meu coração e me faz buscar a atualização permanente.

Atendo em consultório, muitas vezes por uma remuneração que deixaria indignada uma manicure. Mas (na vida sempre tem um Mas), dou diagnósticos difíceis para um jovem que ainda não viveu o que vivi. Olho para minhas cicatrizes de guerra pela vida, cabelos brancos, noites mal dormidas, diabetes, hipertensão. Sou grupo de risco, fruto da idade e de muitas vezes não ter me cuidado por amor ao próximo. Imagino que perante a sociedade, as autoridades, meus órgãos de classe, terei reconhecimento. Afinal, me dediquei tanto, quase não vi meus filhos crescerem, quase não desfrutei outro prazer que não fosse tentar curar, ouvir o próximo e ajudar.

Mas não. Eu sou um velho médico como aquele menino acorrentado num tambor. Não estou na linha de frente, não tenho uma entidade de classe (CRM, AMB, IU, SINDICATO) Que se indigne com o fato de eu mesmo grupo de risco, não sou vacinado. Meus princípios inegociáveis, não permitem que eu fure filas, cometa ilicitudes, mesmo suspeitando, com indignação, que doses de frascos de vacina que foram abertos e não totalmente usados, são jogados no lixo (é apenas a desconfiança de uma mente frágil ao fazer cálculos. 5 doses ao dia que sobraram X 20 dias úteis = 100 vidas vacinadas).

Não, eu não tenho direito a cata-las no lixo. Eu já faço parte do lixo humano dos médicos aposentados que nos seus consultórios apaixonadamente davam um segundo diagnóstico, praticando uma medicina sem pressa e atenta à arte de ouvir. Um grupo de médicos invisíveis que corrigiam a pressa dos diagnóstico apressados das urgências. Não, Eu não tenho direitos cidadãos. Não constou em nenhuma lei de proteção indígena, quilombola, ou tenho um sindicato que faça reinvindicações de paralização e gerem o pânico entre prefeitos, governadores e secretários.

Até que se precise de um olhar empático, um ouvido atento, uma consulta sem pressa a preço de manicure e um diagnóstico que ninguém pensou, eu continuarei trancado e enclausurado sem voz e sem vez, olhando as cicatrizes que a vida de médico me causou. Sou invisível até a hora em que percebam que o sal refinado pelo estudo, experiência, amor ao próximo, empatia e capacidade de em alguns momentos, ver o que os outros não veem, seja por um acaso necessário.

Até lá, se vivo eu estiver, ou a depressão causada pelo descaso ou mesmo a covid19 me levar, eu estarei aqui estudando, trancado e triste por não poder exercer a arte de salvar vidas. Nem as sobras vacinas que imagino devam estar indo pro lixo, eu mereço. Mas como médico de raiz, continuarei amando a humanidade e a medicina. Apesar dos burocratas, apesar das classes sindicais bem representadas, apesar dos bilhões em dólares que a big farma lucra com vacinas, apesar da falta de bom senso dos gestores.

Sou cristão e jamais odiarei. Isso é só um desabafo na passagem chamada vida. Eu faria tudo de novo em nome da arte de curar. A medicina é grande por si mesma, mas, só é divina quando irmanada à bondade. Lauro dos Guimarães Wanderley Filho, CRM 2526-PB. Apenas um velho sal refinado que políticos chamam de médico.

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