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Atletas transplantadas querem conscientizar sobre doação de órgãos
Brasil tem mais de 50 mil pessoas à espera de transplantes
Aos 33 anos, o maior desejo de Luciane de Lima era voltar a beber um copo de suco de laranja de 300 ml. A advogada nunca havia tido problemas de saúde, mas começou a sentir mal-estar, dores de cabeça, registrar lapsos de memória, dificuldade para ingerir líquidos, se alimentar, entre outros sintomas. Sua função renal era de 15% e, após sete meses e meio de hemodiálise, ela saiu desse quadro de ansiedade e incerteza graças a um transplante. Atualmente, Luciane pratica corrida e ciclismo e faz parte da Liga dos Atletas Transplantados do Brasil, que adota o esporte como filosofia de vida e o considera um complemento valioso ao tratamento pós-transplante.
Criada no final de 2021, a Liga reúne 19 atletas brasileiros transplantados de fígado, rins, pulmão, pâncreas, coração e medula que superaram doenças graves. Seus membros encontraram no esporte um grande aliado para a manutenção da saúde física e psíquica e participam de competições do calendário brasileiro e internacional.
Embora o Brasil seja uma referência mundial em doação de órgãos e o Ministério da Saúde tenha registrado mais de 12 mil transplantes pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no último ano, mais de 50 mil pessoas aguardam por um transplante e o desconhecimento sobre essa realidade permanece. Uma das consequências da falta de informação é a prevalência de mitos de que pessoas transplantadas são muito doentes e com múltiplas limitações. Ao participar de eventos esportivos, a Liga visa desmistificar tabus e aumentar a conscientização sobre a doação de órgãos.
Após se recuperar da insuficiência renal, Luciane ressignificou sua relação com a atividade física. Ela se exercitava de maneira descompromissada, mas inspirou-se em outras pessoas e entrou em um grupo de corrida. Posteriormente, adicionou exercícios de fortalecimento, natação e bicicleta e começou a participar de competições. Nos IX Jogos Latino Americanos para Transplantados em 2018, realizado na Argentina, a advogada conquistou segundo e terceiro lugar em diferentes categorias de corrida.
O sucesso se manteve nos eventos seguintes e, em 2021, Luciane fundou a Liga dos Atletas Transplantados em conjunto com outros colegas. “Eu praticava atividades esportivas sem seguir uma rotina na escola, mas depois comecei a ver o resultado da disciplina e a sentir esse poder. Sou agraciada por estar viva. Quando você fala com uma pessoa que faz hemodiálise, o sonho dela é fazer xixi. Parece tão insignificante beber água, mas quando você perde isso, o mais importante é ter sua saúde de volta”, relata.
Atividade física
Os benefícios dos exercícios físicos à saúde foram elencados por um estudo publicado no Jornal Brasileiro de Transplantes. A pesquisa foi realizada pela educadora física e atleta Liège Gautério, que faz parte da Liga. Ela ressaltou a melhoria do sistema imunológico de transplantados, que são imunossuprimidos pelas medicações e têm os efeitos colaterais amenizados ao saírem do sedentarismo. Foi constatada também a redução do risco de doença cardiovascular e da diabetes, que é aumentado por alguns medicamentos imunossupressores, prevenção de osteoporose, hipertensão; ganho de massa muscular; aumento da qualidade do sono e do humor. Entretanto, a possibilidade de realizar atividade física depende das particularidades de cada caso e precisa ser orientada por profissionais.
Apaixonada por esportes desde a infância, Liège fazia ballet aos cinco anos. Ela experimentou uma série de modalidades como musculação, natação, street dance e ciclismo até ser diagnosticada com fibrose pulmonar com 30 anos. Inicialmente, estava assintomática, mas, aos poucos, a patologia progressiva minou sua disposição. Oito anos depois, no auge da doença, ela estava prestes a realizar o sonho de se graduar em Educação Física e compareceu à formatura com o oxigênio portátil do qual dependia durante 24 horas para respirar.
A educadora física recebeu um transplante unilateral pulmonar em 2011 e retornou ao trabalho e aos treinos três meses depois da cirurgia. Quando descobriu a existência dos Jogos Mundiais de Transplantados, percebeu uma oportunidade de mostrar que pessoas transplantadas também podem ter uma vida saudável.
Resiliência e pódio
Ela se inscreveu nas provas de 100 metros e 200 metros rasos, mas outros percalços apareceram no caminho: o diagnóstico de câncer de mama e um tornozelo quebrado. A atleta não desistiu e foi a primeira mulher brasileira a participar de uma competição para transplantados e a conquistar a medalha de ouro feminina do Brasil. A mastectomia foi feita depois da disputa e, dois anos depois, ela tornou-se bicampeã mundial dos 100 metros rasos. Nos jogos seguintes, obteve o bronze.
“O corpo de um transplantado, quando é bem cuidado, segue todas as orientações médicas e um planejamento de treinamento, consegue ótimos resultados. As pessoas se surpreendem porque existe essa visão do transplantado como alguém com muita limitação”, explica a bicampeã dos 100 metros rasos. Durante a pandemia, em 2020, Liège utilizou as redes sociais para criar o projeto Se Mexe TX! Seu objetivo é incentivar a prática de exercícios físicos para transplantados. “Uma pessoa renasce após a doação de órgãos. Os transplantados que são fisicamente ativos gastam menos em saúde”, completa.
A vida pode ser preciosa
Há 24 anos, Simone Avelino descobriu por acaso que tinha doença renal crônica depois de sofrer uma crise de hipertensão. O percentual de seu funcionamento renal era de 40% e ela recebeu um novo rim 10 anos depois, com 39 anos. Assim como Luciane, Simone não praticava esportes regularmente, mas, após a cirurgia, participou de um grupo de pedal noturno e nunca mais parou. Hoje, ela concilia os treinos de natação e corrida de terças às sextas-feiras com sua rotina de dentista: “Quando você faz o transplante, você quer viver a vida num gole só. Antes de transplantar, eu não conseguia subir uma escada. Na primeira vez em que nadei 1000 metros, chorei no vestiário. Quando comecei a treinar, não conseguia nadar 25 metros”.
A dentista competiu nos IX Jogos Latino-americanos para Transplantados e conseguiu o bronze na natação. “Estou aprendendo a correr, é muito emocionante pela condição que eu enfrentava. Todos os dias, tenho que celebrar e, se faço esportes, tenho que comemorar mais um pouco, mas não é uma medalha de super-herói. O transplante é uma alternativa maravilhosa. Todo mundo que participa desses jogos tem uma história de vida pesadíssima”, afirma.
Convidada por Luciane para participar da Liga, ela chora a cada conquista. “A gratidão é tão forte e maravilhosa porque todo mundo sabe que está nos jogos devido ao transplante. A energia é quase palpável, é quase física”, comenta.
Para continuarem a competir e a trazer visibilidade para a doação de órgãos, os membros da Liga terão uniformes patrocinados pela Biometrix Diagnóstica, uma das maiores apoiadoras de transplantes no Brasil. Segundo a gerente de marketing da empresa, Paula Mazuco, a parceria celebra a vida dos atletas e incentiva a quebra de alguns mitos, que vão desde o processo da decisão da doação de órgãos ou até de algumas incertezas relacionadas à qualidade de vida de quem recebe um transplante. “Para nós independente do pódio, esses atletas são campeões por terem vencido o desafio da doença, o processo de espera por um transplante e, principalmente, por terem conquistado a recuperação e o retorno da normalidade da vida pelas atividades físicas e cuidando também para que o sistema imunológico esteja em boas condições”, complementa.
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