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Derrotas expõem dificuldades de articulação do governo Lula no congresso
O elevado número de derrotas acumuladas pelo presidente Lula na análise de vetos pelo Congresso Nacional, no primeiro ano do seu terceiro mandato, expõe as dificuldades de articulação do Palácio do Planalto. Para cientistas políticos e congressistas ouvidos pela reportagem, os problemas vão desde a amplitude e heterogeneidade da base de apoio do governo até a disparidade entre o perfil dos atuais titulares do Executivo e do Legislativo. O próprio presidente tem feito acenos ao Parlamento, ensaiando uma aproximação maior com deputados e senadores este ano.
Conforme levantamento exclusivo do Congresso em Foco publicado nessa sexta-feira (23), deputados e senadores reverteram 91 trechos de vetos presidenciais em 2023. Isso representa 40% das decisões apreciadas. No primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019, os parlamentares derrubaram somente 57 dos 511 trechos vetados pelo então presidente – ou 10,04% dos vetos analisados.
Entre as grandes derrotas do governo Lula estão os vetos do marco temporal das terras indígenas e o da desoneração da folha. Na avaliação de parlamentares da base e da oposição ouvidos na condição de anonimato, algumas das derrotas podem ser creditadas a erros de análise da parte do Palácio do Planalto.
A desoneração da folha de pagamento até 2027 é apontada como um exemplo. O projeto que deu origem à Lei 14.784, de 2023, foi aprovado com ampla maioria no Congresso. Ainda assim, Lula vetou integralmente o projeto. A derrota veio de forma rápida e com placares consideráveis.
Depois disso, o governo insistiu no tema e editou uma medida provisória (MP) para retomar os impostos da folha de pagamento para 17 setores da economia e para municípios. Agora, deve recuar e editar uma nova MP para desistir da reoneração em 2024.
A articulação no Congresso é centrada no ministro Alexandre Padilha, de Relações Institucionais, e no líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP). Também entram nas conversas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os líderes do Governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE).
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Integrantes da oposição alegam que o Judiciário e o Executivo, em determinados momentos, demonstraram desapreço pela vontade do Congresso, desfazendo decisões tomadas pelos parlamentares.
Para congressistas governistas, o Legislativo se acostumou a ter mais poderes do que o normal, tendência que teria sido reforçada durante os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro. Para alguns parlamentares, durante quase oito anos o Congresso Nacional teve mais espaço para tomar decisões no país do que o normal. Nos últimos anos, também cresceu o poderio do Legislativo sobre o orçamento-geral da União. A proposta orçamentária aprovada em dezembro previa mais de R$ 53 bilhões em emendas parlamentares.
Há ainda governistas que consideram ser necessário uma definição mais clara de quem é a base do governo Lula no Congresso e a cobrança de fidelidade. A ideia defendida por uma parte de parlamentares é que não é possível continuar aceitando que partidos com ministérios votem contra o governo ou ainda apoiem a discussão de projetos que vão contra os interesses da gestão petista. Atualmente 11 partidos políticos têm ao menos um ministro.
Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco divergem sobre esses pontos. Para Carlos Pereira, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), essa base diversa é exatamente parte do problema.
Carlos Pereira considera que a base “heterogênea” de Lula, começando por PT e Psol, passando por MDB e indo até PP e Republicanos, que já deram sustentação a Bolsonaro, complica a articulação política, com o compartilhamento de poder desequilibrado.
Segundo o cientista político, alguns partidos são recompensados com um espaço maior do que os votos que entregam. Em setembro do ano passado, o presidente Lula ampliou de 37 para 38 o número de ministérios, com a criação da pasta das Micro e Pequenas Empresas. Foi o caminho encontrado por ele para acomodar o Republicanos e o PP na Esplanada dos Ministérios, aumentando de nove para 11 o número de partidos políticos contemplados com cargos de primeiro escalão. Juntos, esses partidos somam 389 deputados e 65 senadores. Números que não redundam necessariamente em votos. O União Brasil, por exemplo, que escolheu três ministérios, tem índice de governismo de 70% na Câmara, mesmo percentual do oposicionista PSDB, conforme o Radar do Congresso.
“Se o presidente tivesse montado uma coalizão relativamente homogênea, compartilhado poderes em recursos levando em conta o peso de cada um, ele se submeteria a menos pressões do Legislativo para que esse jogo fosse reequilibrado uma vez que já estaria equilibrado”, diz Pereira. Para o professor da FGV, os aspectos ideológicos seriam “marginais” nessa dinâmica.
Ricardo de João Braga, um dos coordenadores do Congresso em Foco Análise, responsável pelo Painel do Poder, discorda e considera esse um ponto importante. “O Congresso está mais à direita e o presidente mais à esquerda”, diz ele. Assim, seria preciso “aceitar uma dose de conflito. O conflito não é algo inerentemente negativo, ele faz parte. É normal”.
Há um sentimento no Congresso de que uma parte dos congressistas, tanto na Câmara como no Senado, é contra as posições do governo independentemente do tema. Esses parlamentares, em grande parte bolsonaristas, seriam guiados por uma linha ideológica. Para governistas, isso representa também uma dificuldade de certos grupos entenderem que a sociedade escolheu um plano de governo nas eleições e que não é o da direita. Nesse sentido, veem dificuldades de quais seriam as concessões a serem realizadas para avançar no relacionamento com o Congresso.
Sinais de distensão
Nas últimas semanas o presidente Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), têm dado sinais de reaproximação. Principal fiador de Bolsonaro no Congresso, Lira acumulou desentendimentos com o ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo Lula. Na véspera do Carnaval, Lula recebeu Lira e os dois tentaram estabelecer um acordo de procedimentos pelo qual o próprio presidente e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, passariam a ser os principais interlocutores do Planalto com o chefe da Câmara.
Na noite dessa quinta-feira (22), Lula, alguns ministros, Lira e e os líderes da base aliada na Câmara se reuniram para distensionar a relação. O petista prometeu ficar cada vez mais próximo do Congresso.
O ano que começa pode ser, em tese, mais tranquilo para o governo Lula, já que muitos congressistas terão como prioridade as eleições municipais – tanto aqueles que vão se candidatar quanto aqueles que vão se dedicar no sucesso de aliados de olho na disputa em 2026. Ainda assim, o ano começa com um impasse entre a gestão petista e o Congresso por vetos do Orçamento.
O principal atrito está no veto de Lula à liberação de R$ 5,6 bilhões do orçamento que seriam direcionados para emendas de comissão. Como já mostrou o Congresso em Foco, deputados e senadores articulam a derrubada da decisão, já que querem mais emendas para enviar verba para municípios, de olho nas eleições de 2024.
Outro ponto de atrito entre o veto do presidente ao calendário de pagamento de emendas para o Congresso. A decisão foi alvo de críticas do relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), Danilo Forte (União-CE), e do Centrão. Após a pressão de líderes do grupo, o Executivo acabou cedendo, com a elaboração de um novo calendário para a liberação desses recursos.
*Radar Congresso
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