Turismo

Entrevista

Luiz Sales: Turismo e as consequências da pandemia em 2021, 22 e 23

29/12/2021 10h10
Luiz Sales: Turismo e as consequências da pandemia em 2021, 22 e 23

Luiz Sales é jornalista, especializado em planejamento e gestão de cidades, foi diretor da São Paulo Turismo. Desenvolveu o projeto da “Fábrica de Samba”- a Cidade do Samba da capital paulista. Também coordenou as três edições do “Censo do Samba Paulistano”. Hoje é coordenador de Comunicação da Secretaria de Turismo do Estado de São Paulo.

Luiz Carlos Prestes Filho: Qual foi o impacto da Covid-19 para o turismo no mundo, no Brasil e, especificamente, no Estado de São Paulo?

Luiz Sales: Foi e continuará sendo forte, pois muitas empresas simplesmente não conseguirão voltar ou perderão muito de seu tamanho. No mundo todo as perdas são calculadas em trilhões de dólares – entre US$ 2,6 trilhões, no cenário pessimista, e US$ 5,5 trilhões no otimista. No Brasil, segundo a Fundação Getúlio Vargas, as perdas são de R$ 161,3 bilhões. Já no Estado de São Paulo, segundo o Centro de Inteligência e Economia do Turismo (CIET), da Secretaria de Turismo do Estado, a perda, hoje, já calculada em R$ 15 bilhões ou menos 16 milhões de viagens. Importante considerar, contudo, que este cenário no Estado e no Brasil pode piorar em caso de novas ondas de contágio e necessidade de interrupção das viagens. O mais dramático, contudo, é a perda de empregos. Entre 600 mil e 1,4 milhão de postos de trabalho poderão ser perdidos, o que tem um impacto social ainda mais severo se nos lembrarmos das pessoas que já estavam sem um emprego formal antes da crise.

Prestes Filho: A Secretaria de Estado de Turismo de São Paulo tinha alguma previsão para a situação que se apresentou?

Sales: Nem a Secretaria de Turismo de São Paulo nem ninguém no mundo. A falta de uma liderança efetiva, a ausência de um plano mínimo de contingência, foram os primeiros sinais dessa crise. Não havia quem estivesse preparado na proporção necessária. Tanto que o mundo todo foi afetado, com as exceções já clássicas de um melhor desempenho na reação, mas não na prevenção, como a Nova Zelândia, o Vietnã ou Cingapura. O comportamento da pandemia, no entanto, foi um pouco amenizado na medida em que as medidas de restrição foram adotadas e mantidas na velocidade e rigor necessários. A Secretaria de Turismo, que tem por base incentivar as viagens e atrair turistas para o Estado, de uma hora para outra, passou a criar materiais e desenhar estratégias para que as visitas fossem adiadas para um momento futuro que a cada semana se prolongava.

Prestes Filho: Quais são os principais eventos turísticos que marcam a atual gestão desta pasta? Como está o planejamento para a retomada?

Sales: O principal programa e, dentro dele, ações concretas, foi o guarda chuva “SP Pra Todos” que, ao longo de 2019, conseguiu fazer com que o Estado ganhasse 700 novas frequências aéreas, ativando aeroportos de menor movimento ou até então sem nenhum voo comercial, melhorando a conectividade do Estado; e foi lançada também uma campanha inédita de promoção do Estado. Nas ações de curto prazo para a retomada, somente no primeiro semestre e em meio à pandemia, a Secretaria repassou R$ 79 milhões para obras de melhoria das cidades turísticas do Estado. Em junho, por exemplo, foi inaugurado o “Parque Oriental”, às margens da represa Billings em Ribeirão Pires, e o restauro do Colégio São Luiz, em Bragança Paulista, uma construção lindíssima do final do século XVIII. Foram mantidos os projetos estruturantes que, mesmo na pandemia, não tiveram seu amadurecimento interrompido, como o das “Rotas Cênicas”, que visam tornar as viagens rodoviárias mais agradáveis e seguras; os Distritos Turísticos, com uma legislação própria que permita e incentive o desenvolvimento regional de forma integrada e não individual, cidade a cidade. Em especial, o projeto “Politurismo”, que será um centro de pesquisas e integração entre empresas e a academia, em uma união público-privado, instalado em uma área física de 22 mil metros quadrados, entre três expoentes do turismo paulista: (1) Centro de Feiras e Eventos Expo São Paulo, (2) Jardim Botânico, uma das mais belas reservas naturais da cidade, (3) Zoológico, ponto de atração de moradores e visitantes.

Prestes Filho: Como é visualizado o carnaval pela Secretaria de Estado de Turismo? Existem programas e projetos específicos?

Sales: É visto com um evento que ganha cada vez mais em expressão e importância e que, nos últimos anos, não apenas teve um crescimento forte na participação dos paulistas como também passou a atrair cada vez mais visitantes. Lembrando que, no interior do Estado, há carnavais para todos os gostos, como os das marchinhas em São Luiz do Paraitinga, o das baladas em Votuporanga e Ilha Solteira, e também das escolas de samba, que somente na capital são cerca de 90, divididas em sete categorias. Com este carnaval, das agremiações, historicamente o Estado nunca foi muito próximo, tendo um papel mais de apoio, como na segurança pública e eventual cessão de áreas, que de incentivador direto nas escolas, o que está mais vinculado à capital paulista. Justiça seja feita, nos últimos anos, a Prefeitura tem demonstrado uma atenção inédita e uma compreensão real sobre a importância das agremiações, não apenas dos desfiles. Isso se reflete no crescimento e ganho de qualidade das apresentações.

Prestes Filho: O carnaval do Rio de Janeiro e o carnaval de São Paulo, juntos, poderiam estruturar projetos para potencializar a festa nacionalmente? Como? Através de quais ações?

Sales: Penso que o primeiro passo seja o entendimento da real importância mútua. Não há dúvida de que o Rio de Janeiro é o produto carnavalesco, no quesito escola de samba, mais bem acabado e simbólico do País, constituindo uma imagem forte e positiva do Brasil no exterior. Isso não significa, contudo, que o carnaval de São Paulo não tenha elementos que podem contribuir para a criação de um produto mais bem acabado, variado, complementar. Dentro do Brasil, já há esta dimensão. Fora, enquanto o Rio vender seu carnaval sozinho e São Paulo trabalhar o tema apenas de forma esporádica, já que o evento é apenas mais um entre tantos, os dois destinos perderão. No caso dos desfiles das escolas de samba, ambos têm uma capacidade limitada: 90 mil lugares por noite no Rio, 30 mil em São Paulo. Porém, ao longo do ano São Paulo, capital, recebe cerca de 2,3 milhões de estrangeiros e perto de 15 milhões de brasileiros de todos os cantos. Se acrescentarmos o interior paulista à conta, são mais de 45 milhões de viagens. Penso que este seja um número considerável a ser trabalhado, porém, sem disputa, o que nem sempre é fácil de ser conseguido em um segmento que tem suas vaidades e interesses individuais.

Prestes Filho: O que você destacaria nos Censos do Carnaval que foram realizados por sua equipe? Quais pontos estão bem atuais para aqueles gestores que desejam implementar políticas públicas setoriais?

Sales: As três edições do Censo do Samba em São Paulo foram feitas com um objetivo inicial simples: entender o que é esse universo. Dar contornos mais concretos àquele sentimento de importância que todos tinham, mas que não era demonstrado e, portanto, reconhecido. Hoje, mesmo passados já seis anos da última edição, publicada em 2014, ainda há elementos atuais, como a inserção social e comunitária das agremiações no mapa da cidade; a importância estratégica da utilização de áreas que, públicas, podem ser preservadas e, ao mesmo tempo, cumprirem uma função social; as escolas como geradoras de diversos tipos de emprego e, portanto, de renda. Os censos tiveram essa função e foram bem recebidos também por algumas escolas de samba que passaram a utilizar aquelas informações econômicas e sociais em seus projetos de captação ou mesmo de sensibilização.

Prestes Filho: Por que a Fiesp, Associação Comercial de São Paulo, e outras entidades empresariais não conseguem visualizar o carnaval como serviço fundamental para o Estado? Por que estas entidades não viabilizam programas e projetos para o carnaval?

Sales: São vários “porquês” aí. Primeiro, a falha interna: as agremiações, as entidades historicamente, porém menos hoje em dia, se apresentavam de forma desproporcional à importância que se atribuíam. Ou seja, suas propostas eram eventualmente frágeis. Isso mudou muito. Segundo, infelizmente crônico no passado, havia um empenho forte na captação de apoio, mas não na entrega do prometido, o que frustra o investidor, o apoiador. Terceiro, a concorrência: o apoiador, a entidade, tem um dinheiro e precisa decidir onde colocar. Se a concorrência trabalhar melhor, as escolas perderão. Ou seja, a Associação Comercial e suas empresas, a Fiesp e suas indústrias, precisam querer apoiar as escolas, e o farão na medida em que sentirem que essa intenção terá o retorno, não necessariamente que gostariam, mas que foi proposto pelas escolas. Vou dar um exemplo bem simples, fora do carnaval. Há alguns anos, o Fundo Social de Solidariedade do Estado procurou a São Paulo Turismo (que tinha o relacionamento com as escolas) para pensarmos um projeto social. Em duas conversas estava pronto: a Fiesp, por meio de três empresas, iria contratar costureiras das escolas que, entre março e junho estariam disponíveis; a Receita Federal iria doar tecidos que tinham sido apreendidos; o Senac daria um curso de reciclagem, com uma pequena bolsa, um auxílio financeiro, para que as costureiras das escolas aprendessem a usar um equipamento mais moderno. Elas foram contratadas, ganharam um salário, produziram as roupas que foram doadas para a campanha do agasalho do Fundo Social. Simples assim. Note que havia um propósito claro, objetivo acordado. Foi um sucesso, ao ponto de uma das escolas, que não tinha ateliê, ganhar máquinas de costura de um dos patrocinadores e, outra, manter um relacionamento depois do patrocínio. Dá para fazer, mas tem que haver compromisso e entendimento dos dois lados.

Prestes Filho: O mundo vai mudar após a pandemia da Covd 19, São Paulo vai mudar. Quais serão as principais mudanças que você prevê como gestor público?

Sales: Primeiro, entender que teremos que conviver com as consequências da pandemia ainda em 2021, 22. Há quem diga que só voltaremos em 2023 aos mesmos resultados de 2019 no turismo. Será preciso pensar também no elemento “segurança sanitária” em tudo o que for feito a partir de agora. Não por conta apenas da covid-19, mas pela percepção de que somos uma sociedade frágil que pode ser atingida por outro tipo de pandemia. Planejar pensando em “eventos extremos”, como esse que estamos vivendo, é um exercício necessário e perigoso, pois alguns têm tendência de pensar em soluções para problemas que não existem. Assim, do ponto de vista da gestão pública, independente se de saúde, de transportes, de educação, de cultura ou de turismo, está escancarada a necessidade de olhar para a desigualdade social como um elemento a ser atacado se quisermos estar mais bem preparados para qualquer situação.

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