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Perversão ou psicopatia: faltou alerta para o anestesista estuprador?

Por Renato Lisboa* 15/07/2022 16h04 - Atualizado em 15/07/2022 16h04
Perversão ou psicopatia: faltou alerta para o anestesista estuprador?

A semana começou com uma notícia estarrecedora e que abalou o Brasil. Um anestesista do Hospital da Mulher de São João de Meriti (RJ) foi flagrado estuprando uma paciente em plena sala de cirurgia e durante um procedimento cirúrgico. As imagens fortes que repercutiram no país e no mundo mostram um ser humano frio e calculista, que mesmo com a presença de outros profissionais na sala, pratica atos libidinosos com a intenção de obter prazer.

Ao ver a cena e analisar o perfil do médico, depreende-se de imediato uma visão de ‘perversão ou até mesmo de psicopatia’, mas claro, os diagnósticos que se supõe somente poderão ser confirmados na medida em que o agora indiciado, que se encontra preso, passar pela avaliação de profissionais do desenvolvimento humano.

Porém, a conduta do anestesista afastado aproxima-se em demasia ao ‘Sadismo’ que está ligado ao prazer de infligir dor ao outro, mesmo que este encontra-se em estado de inconsciência. Porém, de fato, não temos como afirmar que o referido profissional está associado à estrutura psíquica perversa. Este caso tem a sua singularidade, que deverá ser analisada com cuidado para distinguir as nuances e assim poder embasar o diagnóstico e atestar corretamente o perfil do acusado até para que se tenha mais respostas em relação ao ocorrido.



De toda forma, é preciso refletir sobre como um local movimentado como uma sala de cirurgia se tornou em um cenário de horror e crueldade. Conforme noticiado por vários meios de comunicação, antes de trabalhar no Hospital da Mulher Heloneida Studart, o agora profissional afastado passou por outras 10 unidades hospitalares. Com esse histórico, será que o departamento de RH do hospital de São João do Meriti entrou em contato com esses 10 estabelecimentos para conhecer mais sobre o comportamento do candidato ao emprego?

Esse tipo de verificação é comumente importante para certificar que o candidato não tenha em seu histórico nenhum desajustamento social, ou se tenha, que possa ser esclarecido antes da contratação. Ademais, foram feitos testes comportamentais e de personalidade que poderiam indicar alguns pontos de atenção a serem observados? A conduta do recém-contratado foi acompanhada pelos superiores? A aplicação de anestésicos em desacordo com os protocolos médicos foram pontos de abordagem direta ao profissional?

Tais respostas ainda não ficaram claras com o que vem sendo divulgado pela imprensa, mas o novo papel do RH impõe responsabilidades ao seu gestor de pessoas para além da folha de pagamento e do controle de ponto. No desempenho das suas funções, o profissional de RH precisa ter foco em ‘contratar a pessoa certa para a vaga disponível’, e não apenas contratar porque o candidato atende ao critério técnico. ‘Precisa proporcionar o cenário certo’, seja no clima organizacional, seja na equipe. Desta forma, um procedimento realizado fora do padrão já deve ser suficiente para chamar a atenção do gestor de pessoas e ligar o sinal de alerta principalmente quando se trata do cuidado em relação às pessoas.

Nesse contexto, é preciso que o lamentável fato ocorrido seja ao mesmo tempo tratado como aprendizado. O perfil do acusado, ainda que de difícil diagnóstico, poderia ter sido mais bem detalhado e observado. Ninguém consegue esconder por muito tempo aspectos de perversão ou psicopatia. Um ou outro traço sempre aparece, e é nessa hora que um departamento de RH ativo atua para prevenir que algum procedimento seja efetuado com desordem.

Fato é que tanto a perversão como a psicopatia deixaram de ser aspectos raros, e hoje muitos portadores destas personalidades passam em processos de recrutamento malfeitos e malconduzidos pelo país. Porém, estar atento aos traços e comportamentos que não conseguem ser escondidos pode ajudar o recrutador a tomar a decisão de contratar ou não.

E num processo desses, uma recusa pode salvar pessoas de se tornarem vítimas de personagens que deveriam existir apenas nos filmes de ficção.

*Renato Lisboa é neuropsicanalista, autor do best-seller 3 Segundos: Escolhas que transformam a vida e vice-presidente da Abrapcoaching