Narizes
Seja arrebitado, de batata ou feito gancho, o nariz é o epicentro do rosto humano. Seu formato depende da genética, mas, a rigor, trata-se de uma adaptação aos odores e ao clima das diferentes regiões do Planeta, segundo um estudo recente, publicado por uma revista científica vinculada à Biblioteca Pública de Ciência dos Estados Unidos (a PLOS Genetics).
Pesquisadores se debruçaram sobre uma gama de tamanhos, analisando a largura das narinas, a distância entre elas, a altura, o comprimento etc., e concluíram que as diferenças entre os formatos poderiam ter sido acumuladas ao longo do tempo, além da seleção natural (os mais aptos sobrevivem, reproduzem-se e repassam suas características aos descendentes).
“Nariz, ai, meu nariz/ Como falam mal deste nasal, que é tão normal...”, cantava o inesquecível Juca Chaves, que sabia como ninguém se aproveitar de seu “bandeirante” – o primeiro a chegar nos cantos, segundo ele. Aliás, o de Juca precedeu a fama de outros célebres, como os de PC Caju, Fagner, Zé Ramalho e Luciano Huck.
Li na Folha de São Paulo, recentemente, um artigo assinado pela jornalista Dália Ventura, afirmando que a crinolina teria sido uma das roupas mais perigosas já inventadas, mas também uma das mais amadas da história.
Para quem desconhece (eu não sabia, confesso! Até pensei ser um parente próximo da creolina), a crinolina é uma armação metálica usada sob as saias para lhes conferir volume, dispensando várias anáguas. A peça marcou o surgimento da moda propriamente dita porque trouxe um avanço: enquanto a estrutura da anágua era feita de osso de baleia, crina de cavalo, vime, madeira ou borracha inflável, a das crinolinas era feita de metal.
O artigo citado revela que, na noite de 31 de outubro de 1871 (Dia das Bruxas, segundo a crença dos colonizadores dos Estados Unidos), as irlandesas Emily e Mary, meias-irmãs do escritor, poeta e dramaturgo Oscar Wilde, foram a um baile. Perto do final, Emily dançava com um de seus admiradores e, num de seus giros perto da lareira, o vestido pegou fogo. Mary tentou socorrê-la, mas também ateou fogo em sua própria roupa. E as irmãs não resistiram às queimaduras, tal como milhares de outras vítimas fatais, ao longo da História, envolvendo uma das roupas mais desejadas de todos os tempos.
Desejadas, sim, porque, apesar de várias tragédias – apurei que a pior delas ocorreu em 1863, quando milhares de pessoas não conseguiram escapar de um incêndio numa igreja da Companhia de Jesus em Santiago do Chile –, a crinolina oferecia melhor mobilidade, ventilação e espaço, conferindo mais autonomia para evitar contatos indesejados e permitindo às mulheres decidirem sobre o que exibir ou esconder. Podiam, inclusive, guardar segredos inconfessáveis, desde amantes baixinhos, contrabando, gravidez, até pernas peludas e tortas.
Para desagrado da elite no Reino Unido, a crinolina passou a ser usada por todas as classes sociais, até mesmo por escravas libertas, que evidenciavam com seus dotes físicos força e poder para encarar de forma mais equânime a luta por igualdade social.
Fiquei numa dúvida terrível. Para mim, havia outro motivo bem mais razoável para o uso daqueles saiões de filmes e novelas de época. Seria capaz de jurar que, por baixo, nem calcinhas havia. Como não existiam cuecas, bidês nem duchas higiênicas.
Além disso, o primeiro papel higiênico do mundo só foi produzido em massa na segunda metade do século XIX, na tentativa de poupar certas partes dos danos causados por jornais, papéis de bodega, sabugos de milho e outros itens improvisados (folhas, gramas, peles de animais etc.) ao longo da aventura humana sobre a Terra.
Penso que, naquela época, a etiqueta de convívio devia exigir um distanciamento social protocolar para não ferir narinas mais sensíveis, sobretudo no inverno europeu em que não se tinha o menor estímulo para o banho semanal.
Dizem, aliás, que a ausência de redes encanadas e esgotos era suprida com a utilização de copos e bacias que raramente permitiam o banho de hoje. As pessoas se sentavam numa cadeira enquanto despejavam pequenas porções de água nas áreas a serem asseadas.
Fala-se também que, mais remotamente, na falta de sabão, os babilônios misturavam gordura animal e cinzas vegetais para diminuir o cheirume. Entre os egípcios, a receita era até um pouco mais elaborada: levava também argila e bicarbonato de sódio.
O cheiro característico das partes íntimas, afinal, remonta ao dia do despejo do Paraíso de Adão e Eva. O casal, imagina-se, não teria levado nem uma mísera sacola de bugigangas (cotonetes, creme e fio dental, desodorante, escovas, lenços umedecidos, protetores íntimos, sabonetes, essas coisas).
De modo que minha dúvida persiste, mas estou seguro de que a crinolina, apesar de seu trágico histórico, prestou inestimável serviço às referências olfativas e ao formato atual das fossas nasais humanas, livrando de certos odores que deixaram de ser inalados. Ou não.
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