Jabutis, subsídios e distorções
Na aprovação das leis no Congresso Nacional sempre aparecem os “jabutis” e os últimos foram em 29 de novembro de 2023. Encontram-se no PL 11.247/2018, que tramitou para ser o marco regulatório das eólicas offshore no Brasil. Por falta de terras, a Europa partiu para o mar, custo 3 vezes maior, mas um casamento perfeito de quem sabe produzir energia com os ventos com as petroleiras, que conhecem bem as plataformas no mar. Falta de terras não é nosso caso, mas a pressão chegou ao Congresso pois já existem 96 projetos no IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) à espera das licenças ambientais. Sem a segurança jurídica de um marco regulatório, os investidores não colocam dinheiro para o desenvolvimento dos projetos.
Segundo cálculos da consultoria PSR, esses “jabutis” aprovados têm o potencial para causar um impacto direto no bolso do consumidor de R$ 25 bilhões anuais até 2050, o que totalizaria nesse período o equivalente a R$ 658 bilhões. Nele, foram aprovadas emendas com contratações compulsórias, totalmente desnecessárias pois não possuem estudos técnicos e nem são visualizados no planejamento do sistema eletroenergético do país que é feito pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) com horizontes de 10 e 50 anos.
Vale lembrar que na Lei nº 14.182/2019, que permitiu a privatização da Eletrobras, dos 8 GW compulsórios de térmicas com gás natural, apenas 2,8 GW poderiam ser viabilizados. Nessa Lei temos ainda os 650 GWm de contratos como o PROINFA (Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), que foram estendidos, e mais 1,2 GW em PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). No caso da geração distribuída, Lei nº 14.200/2021, posterga o prazo para 28,8 GW de renováveis entrarem em operação com subsídios, e, com um “jabuti”, esse total passa para 63,8 GW. Os “jabutis” também beneficiarão outros 8,5 GW com a postergação de prazo para as micro e mini geração distribuída (MMGD) entrarem em operação com subsídios até 2045. Sem respaldo técnico, temos mais 300 MW de eólicas no Sul, 920 MWm de extensão de contratos do PRIONFA, outros 4,5 GW de contratação compulsória em PCHs e 1,2 GW em térmicas a carvão (UTEs Candiota 3 e Figueira) com benefícios de custo até 2050. A consultoria TR Soluções calculou que esse impacto anual deve ser da ordem de R$ 35 bilhões. Esse custo adicional no bolso dos consumidores começa em 2027 com 5,07%, passa para 2,29% em 2028, depois vai para 4,40% em 2029, segue para 8,78% em 2030 e chega em 2031 com o acréscimo de 5,48%. No dia 29/02/2024 a ANEEL vai realizar, em Maceió, uma Audiência Pública para colher subsídios para definição das tarifas da Equatorial Alagoas, a serem aplicadas a partir de 03/05/2024. Deverá ser uma das 8 distribuidoras a ter um índice pequeno ou até negativo.
A capital do Brasil é uma cidade com características especiais, na qual existe dois locais onde somados se reúnem 597 pessoas com perfis dos mais variados, certamente que dignos representantes dos vários segmentos que compõem a sociedade brasileira. Algumas dessas pessoas se apresentam como muito criativas e com o intuito de “mostrar serviço” propõem que a coletividade possa transformar qualquer coisa em qualquer coisa. E a energia, pelas suas amplas possibilidades de produção no Brasil, e agora com o apelo da transição energética, é um alvo no qual sempre atiram saindo de suas armas os já conhecidos “jabutis”.
No PL nº 484/2017, que foi apensado ao PL 11.247/2018, nele foi encontrada essa rara espécie num improvável texto chamado “Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei do Senado nº 484/2017”. Da redação bastante enigmática, pode ser visualizado: “...também deverão ser contratados 250 MW de energia proveniente do hidrogênio líquido a partir do etanol na Região Nordeste até o segundo semestre de 2024, com entrega até 31 de dezembro de 2029”. Após o pedido de ajuda para taxonomistas, inclusive de fora do país, não se conseguiu classificar esse “jabuti” como outros da mesma espécie. Um grupo de cientistas e especialistas em energia promoveram um debate e chegaram à conclusão pela impossibilidade de surgimento dessa nova espécie, já que desafiaria a Teoria de Darwin sobre a sobrevivência daqueles que se consideram os mais aptos. Essa espécie seria de uma eficiência energética tão baixa que não faria nenhum sentido ter sido resultante de uma evolução natural.
Esse “jabuti” propunha produzir energia útil em cinco fases. Primeira: fazer a conversão da energia do sol em açúcar da cana pela fotossíntese. Segunda: transformar o açúcar em etanol, por fermentação. Terceira: produção do hidrogênio através do etanol. Quarta: fazer a liquefação do hidrogênio. Quinta: produzir energia elétrica através do hidrogênio líquido. Dos cientistas que participaram dos debates, ninguém entendeu nada dessa lógica. Ora, se podemos produzir energia diretamente do bagaço da cana e o etanol tem a propriedade de armazenamento à temperatura ambiente, por que utilizar grande parte dessa energia para resfriar o hidrogênio à temperatura de -253°C para depois armazená-lo para produzir energia? Um taxonomista fez a seguinte exclamação: “O jabuti não resultou da evolução natural, mas de uma seleção artificial!”.
Talvez essa nova espécie tivesse surgido por causa do excesso de energia conjuntural existente no sistema elétrico brasileiro, argumentou outro. Temos 209 GW de potência instalada e, só agora, em fevereiro de 2024, registramos um pico de demanda de 101 GW, devido ao intenso acionamento de aparelhos de ar condicionado para combater o calor, sendo que a nossa demanda média este ano foi de 83 GW. Na proposta existe uma altíssima ineficiência em converter energia bruta em energia útil e que, talvez, fosse essa uma maneira discreta de jogar energia fora para não aumentar o desequilíbrio do sistema.
Após várias risadas, alguém levantou a hipótese de tratar-se de uma homenagem a Victor Frankenstein, que criou um monstro e sugeriu que fosse chamado de Chelonoidis frankenstein. Outro cientista lembrou que esse monstro nasceu com um coração bom, muito embora tenha sido posteriormente rejeitado pela sociedade que o transformou num vilão. Nasceu com o dom de feroz devorador do dinheiro dos consumidores porque, pelos cálculos aproximados, chegou-se à conclusão que custaria algo em torno de R$ 3 bilhões anuais a serem retirados dos bolsos dos consumidores de energia elétrica.
Ter uma matriz elétrica com 93% renovável, não é tudo. Ela tem que ser justa e, para tal, precisa de visão prospectiva, planejamento e gestão da segurança operacional. Temos uma energia barata, mas é a 2ª mais cara do mundo no bolso do consumidor. O ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, já reconheceu que subsídios e distorções estão levando o sistema elétrico brasileiro à beira do precipício. Esse modelo precisa ser revisto.
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