Blog do Hayton

e outros casos” (2021) e "Frestas" v(2022).

Prêmios luxuriosos

03/10/2024 07h07
Prêmios luxuriosos

No frenético reality show que a vida moderna vem se tornando, confesso que não me surpreende nem um pouco descobrir que a popstar Katy Perry, aos 39 anos, encontrou uma maneira inusitada de transformar as tarefas domésticas do marido, Orlando Bloom, em algo digno de um Oscar... ou, quem sabe, de um Grammy. Durante uma entrevista ao podcast americano "Call Her Daddy", Katy revelou que, em troca de uma cozinha impecável e armários bem fechados, Orlando pode muito bem esperar por uma recompensa especial – o tipo de prêmio que nem todo o dinheiro de uma Ferrari vermelha poderia comprar.

O mundo dá suas voltas, e agora parece que lavar a louça pode valer mais que uma viagem ao espaço com Jeff Bezos. A praticidade absurda da vida moderna: pratos limpos, prêmios luxuriosos. Katy, em tom de brincadeira, explicou que não precisa do carrão esportivo, porque pode comprar à hora que quiser. Mas uma cozinha limpa? Bem, isso vale ouro! E o maridão que se prepare para ganhar uma caprichada sessão de sexo oral! Se a moda pega, a lava-louças vai acabar se tornando o novo objeto de desejo dos lares.

Katy e Orlando estão juntos desde 2016 e têm uma filha, Daisy, de 4 anos. A cantora voltou a brilhar no Rock in Rio 2024 na sexta-feira, 20 de setembro, e não é de hoje que ela imprime sua marca no Brasil, como fez em sua última turnê em 2018. Mas, deixando os palcos de lado, quem diria que uma das maiores estrelas do pop mundial trocaria o glamour pelo brilho de uma faxina bem-feita?

Claro, todos sabemos que nem todo mundo é fã da limpeza da casa. Mas, sem ela, o lar se transforma em um território minado, onde cada passo é um lembrete de que a bagunça saiu vitoriosa. Então, organizar-se não é apenas uma necessidade – para Katy, é um ato de amor digno de “prêmios” cinematográficos.

Enquanto Katy e Orlando encenam suas próprias dinâmicas de troca em grande estilo, no mundo real, onde as estrelas não brilham tanto, outros casais também negociam suas rotinas. Conheço um sujeito que entrou nessa dança das recompensas sensíveis, embora sem o glamour de popstars. Em troca de sexo com maior assiduidade, ele topou ajudar sua esposa nos trabalhos universitários voltados à tão sonhada graduação, além de assumir boa parte das tarefas de casa - arrumava as camas, lavava a louça, mantinha o fogão limpo, varria e retirava o lixo. Em um deslize freudiano, no boteco, até se saiu com essa: “Quando iremos receber nosso diploma, querida?”

Pena que a esposa, apesar do esforço extremo, não conseguiu se encaixar no mercado de trabalho como pretendia, voltando à rotina doméstica de anos e anos. No Brasil, aliás, mesmo quando trabalham fora, as mulheres dedicam até 25 horas por semana a afazeres domésticos e cuidados, enquanto os homens dedicam cerca de 11 horas, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas divulgado em outubro do ano passado.

Nos países com maior igualdade de gênero, essa disparidade diminui, mas ainda existe – na Noruega e na Suécia, elas completam, respectivamente, 42 e 50 minutos a mais de trabalho não remunerado por dia do que eles. No outro extremo, no Egito, as mulheres têm 5,4 horas de trabalho não remunerado diariamente, enquanto os homens têm apenas 35 minutos.


Independentemente da geografia, as mulheres tendem a ser responsáveis por essas tarefas diárias, enquanto os homens muitas vezes cuidam da construção e dos reparos da casa ou dos cuidados com jardim ou quintal – tarefas normalmente realizadas com menos frequência.

Voltando ao caso de Katy Perry e Orlando Bloom, posso imaginar o que ela teria a oferecer ao maridão em troca de desentupir uma pia repleta de pratos engordurados ou enfrentar um vaso sanitário daqueles que desafiam até o mais valente dos encanadores. Talvez a melhor saída seja criar uma tabela de conversão, quem sabe com uma trilha sonora épica e um contrato com uma produtora de Hollywood, porque, convenhamos, em tempos de relações nada ortodoxas, tudo vale a pena, especialmente quando a alma é pequena.

Agora, deixando de lado a ironia e voltando à realidade, essas trocas cotidianas, embora possam parecer inofensivas, perpetuam um ciclo de desigualdade que molda silenciosamente as relações de poder nas tarefas domésticas.

No fim das contas, o bem-estar de uma cozinha impecável pode esconder a escuridão de padrões que já deveriam estar ultrapassados, mas que ainda ditam as dinâmicas de gênero em muitos lares. E, se os envolvidos não abrirem os olhos, podem acabar trocando mais do que deviam por bem menos do que merecem.