O que “mudou” na economia brasileira no governo Bolsonaro: 2019-2022
Mesmo durante a campanha, o candidato Jair Bolsonaro já anunciava para “todos” que iria implantar uma política ultraliberal, aprofundando ainda mais as reformas ortodoxas iniciadas por Temer. Ao assumir o governo, em janeiro de 2019, o presidente honrou seu discurso e apresentou para a nação uma agenda econômica onde a principal orientação era a redução da ação estatal na economia. De início, essa agenda provocou a elevação de confiança do ambiente de negócios no país, notadamente, no ambiente do agronegócio, do setor financeiro e da área exportadora. Todavia, em março de 2020, essa agenda foi logo interrompida devido as medidas impostas pelo Congresso Nacional - CN para enfrentar a pandemia do Covid-19 e também a recessão que assolou a economia mundial. A economia brasileira só volta a mostrar sinais de vitalidade no seu último ano de mandato.
Podemos afirmar que, durante o governo Bolsonaro (2019-2022), a trajetória da economia brasileira passou por três fases distintas: estagnação, crise da pandemia e sinais recuperação na reta final.
O objetivo desse artigo é mostrar, de forma suscinta, os fatores econômicos que contribuíram para a economia do Brasil chegar a essas fases. Em seguida, descreveremos as principais reformas implantadas nesse período e, por fim, analisaremos os principais indicadores econômicos apresentados pelo país.
As três fases do governo Bolsonaro
Na fase I do governo, que correspondeu o primeiro ano da gestão, Bolsonaro dá continuidade ao governo de Michel Temer, acentuando ainda mais a implantação da agenda neoliberal. Seu fundamento micro residiu na hipótese de que os “mercados são autorreguláveis” e capazes de obter a melhor eficiente alocação dos recursos escassos da economia, e no nível macro, a doutrina da lei de J. B. Say: “a oferta gera sua própria procura”. Para a equipe econômica, a ação do Estado na busca por sustentar o equilíbrio dos mercados – bens e serviços, moeda, trabalho e títulos – é ineficiente. Para atingir seus objetivos, o governo anunciou reformas nos moldes ultraliberais: privatizações, desregulamentação dos mercados de trabalho e financeiro, abertura comercial e financeira, reforma previdenciária, e formas de levar o privado para a educação e a saúde, incluindo privatização, cobrança de mensalidade ou taxa, voucher/bolsas de estudo em instituições privadas, seguro saúde privados, etc. Sem poder contar com o apoio do Congresso e não conseguindo estabelecer uma agenda de prioridades para sua gestão, o governo não aprova as reformas anunciadas. Assim, o país encerra o ano de 2019 com crescimento econômico do PIB de apenas 1,2% e com taxa de desemprego de 11,9%.
A segunda fase começa com o advento da pandemia, em fevereiro de 2020. O país mergulhou numa profunda recessão, o desemprego bateu recorde, em 2020, e atinge 13,4 milhões de brasileiros, com muitos perdendo a sua principal fonte de renda. A agenda liberal foi suspensa, o CN aprova medidas ampliando a proteção social, levando o governo a adotar uma política econômica anticíclica, com o lançamento do programa de transferência de renda - o Auxílio Emergencial, onde foram destinados mais de R$ 275 bilhões aos mais de 67,9 milhões de cidadãos impactados. O cenário internacional também prejudicou o desempenho da economia brasileira com o aumento dos preços das commodities – em especial o petróleo - que encareceu o preço dos combustíveis no mercado nacional e dificultou as importações.
Em função dessa conjuntura, a inflação disparou e o PIB registrou uma queda de -3,3%.
A terceira e última fase do governo Bolsonaro, ocorreu em 2022. Foi marcada por um prenúncio de recuperação da economia, queda do desemprego e aumento da renda. O Brasil cresceu 2,9%, com o PIB atingindo, em valor corrente em moeda local, o valor de R$ 9,9 trilhões. O país cresceu próximo aos países desenvolvidos, porém foi ajudado, em nível nacional, por um grande pacote generoso de aumento de gastos públicos e redução de tributos anunciado às vésperas da campanha eleitoral de 2022: A PEC dos precatórios e subsídios para combustíveis fósseis.
A chamada PEC dos Precatórios, foi a maneira que o governo encontrou para abrir um espaço fiscal no orçamento-2022 para manter o Auxílio Brasil em R$ 400,00 reais, mesmo com o fim do estado de emergência da pandemia. O adiamento do pagamento dos precatórios da União de 2022, para o ano de 2023, abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto no orçamento-2022 para o governo gastar livremente. Nesse mesmo ano, o governo federal também concedeu R$ 80,95 bilhões em subsídios para auxiliar os produtores de petróleo, carvão mineral e gás natural no país, para garantir aos consumidores um preço menor na aquisição dos combustíveis.
As principais reformas implantadas no governo Bolsonaro
Apesar de não lograr êxito no encaminhamento das reformas administrativas e tributárias, durante o quadriênio 2019-2022, o governo Bolsonaro encaminhou um conjunto de ações de cunho liberal no sentido de reduzir o tamanho do estado brasileiro: a reforma da Previdência, a independência do Banco Central, a Nova Lei do Gás, o Lei das Ferrovias e a Lei do Saneamento; empresas estatais importantes foram privatizadas, como BR Distribuidora e Eletrobras, e outras privatizações estavam apenas à espera de um segundo mandato presidencial para serem concretizadas, como a Petrobras e os Correios. Destacamos, por fim, que a Reforma Tributária foi aprovada no governo Lula III e se encontra em fase de regulamentação no CN.
A reforma da Previdência foi o principal legado. O que se pretendia era uma economia de R$ 1,3 trilhão. Todavia, foi gerado um superávit de R$ 800 bilhões.
Ao sancionar o novo marco regulatório do gás natural, o governo põe fim ao monopólio da Petrobras e buscou aumentar a concorrência na área e atrair investimentos, além de integrar a cadeia do gás ao sistema elétrico.
O novo Marco Legal das Ferrovias mudou totalmente as regras para o transporte ferroviário no país. A Medida Provisória nº 1.065, de 30 de agosto de 2021, possibilitou também a outorga por autorização das ferrovias brasileiras, equiparando as autorizações já ocorridas nos âmbitos portuário e aeroportuário.
Com o novo marco legal do saneamento básico, foi permitido a abertura desse mercado para a iniciativa privada, além de estabelecer metas de universalização para a oferta de 90% do esgoto tratado e 99% de água potável nos municípios brasileiros, até 2033.
A Lei Complementar 179/2021, que deu independência ao Banco Central, criou mandatos fixos para cargos de diretoria e presidência, estabelecendo regras complexas que dificultam a remoção dos cargos de comando, que equivalem efetivamente à estabilidade no mandato. Fixou ainda como “objetivo fundamental” do Banco Central a estabilidade e controle de preços no país.
A BR Distribuidora, empresa de distribuição de combustíveis da Petrobras, foi privatizada em duas etapas, em 2019 e 2021. Em 2019, a Petrobras deixou de ser a maior acionista da distribuidora, que passou a pertencer a Vibra, por um montante de R$ 9,6 bilhões. Na segunda etapa, em 2021, a Petrobras realizou nova oferta de ações para se desfazer dos 37,5% de sua parte na distribuidora.
A Eletrobras foi privatizada rendeu aos cofres públicos o montante de R$ 96,6 bilhões, com a União deixando de ser controladora da empresa. Como resultado da transação, o governo passou a ter pouco mais de 40% do capital social da companhia.
Os indicadores econômicos no governo Bolsonaro
Os três primeiros anos da gestão Bolsonaro foi marcado pelo baixo desempenho dos indicadores econômicos e sociais do Brasil, influenciados duplamente pela pandemia do Covid-19 e o recrudescimento da economia mundial. Dados do último ano de governo, todavia, indicavam uma tendência de reversão desses indicadores.
Descreveremos abaixo o comportamento dos 6 principais indicadores socioeconômicos do Brasil desse período.
Crescimento econômico
O Governo Bolsonaro herdou uma economia saindo da recessão de 2014/16, com boa parte do setor produtivo apostando no sucesso da “nova” agenda ultraliberal do novo Czar da economia brasileira, ministro Paulo Guedes. Em 2020, com o início da pandemia de covid-19, o governo manteve o clima de otimismo: “se promovermos as reformas, abriremos espaço para um ataque direto ao coronavírus. Com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões de reais a gente aniquila o coronavírus”, afirmava Paulo Guedes à época, subestimando a gravidade da crise. A profecia da equipe econômica se mostrou falsa: o PIB despencou – 3,3%. Em 2021, há uma nítida melhora da economia em função a avalanche de programas de auxílio emergencial imposto pelo Congresso Nacional. Por fim, em 2022, com o fim da pandemia e acompanhando a tendência de recuperação da economia mundial, o país registrou um crescimento de 2,9% do PIB. Vale ressaltar que, entre 2019 e 2022, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 1,4% a.a., valor apenas um pouco superior à média da Zona do Euro (0,9% a.a.), e bem inferior à da China (4,8% a.a.).
Inflação
Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro a inflação se manteve sob controle e próxima da meta de 4% do Banco Central, sendo que em 2019 ficou em 4,31% e em 2020, em 4,52%. Em 2021, no segundo ano da pandemia, os preços saem do controle e a inflação do Brasil chegou a 10,06%: a desorganização das cadeias produtivas e os lockdowns na China e na zona do euro pressionando os preços em todo o mundo. Em 2022, com a vacinação contra a covid-19 avançando e os países normalizando gradativamente à atividade produtiva, a inflação oficial brasileira fechou em queda com uma taxa de 5,79%.
Comércio Internacional
Três fatores marcaram o desempenho do setor externo brasileiro no governo Bolsonaro: taxas de juros internacionais baixas, a pandemia da Covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
O governo aproveitou-se da condição das baixas taxas de juros internacionais para financiar o déficit em transações correntes. Todavia, a própria pandemia da Covid-19, adicionalmente o advento da guerra entre Rússia e Ucrânia, provocaram não somente aumento nos preços das commodities, como recrudescimento da inflação mundial.
Com isso, a balança comercial brasileira caiu abaixo do nível pré-pandemia nos três primeiros anos de governo, somente se recuperando no último ano. O déficit em transações correntes, por sua vez, persistiu durante todo governo, sendo financiado pelas boas condições das baixas taxas de juros externas praticadas no período.
Destacamos ainda que, durante o governo Bolsonaro, a elevação dos preços das commodities não se deu de forma linear. Os preços se estabilizam em 2019, sofrem uma queda em 2020, no início da pandemia, volta a se elevar durante todo o ano de 2021, e aumentou consideravelmente depois do início da guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Apesar do aumento real dos preços das commodities (5,13%), na ausência de uma política específica de incentivo ao comércio exterior, não houve aumento expressivo no volume dos negócios externos do Brasil, razão pela qual as exportações no governo Bolsonaro cresceram à média anual de 1,6%.
Crescimento das despesas públicas
Ao anunciar uma agenda econômica ultraliberal, o governo Bolsonaro manteve o compromisso de manter a premissa de equilíbrio fiscal vinda do governo Temer, destacando não somente o teto de gastos (Emenda Constitucional n.º 95), como também a implantação de um conjunto medidas para reduzir a presença do estado na economia. No início do governo, em 2019, o governo reuniu forças para aprovar a reforma previdenciária foi aprovada em 2019, além de enviar ao CN um pacote de medidas visando reduzir as despesas com pessoal e desvincular os gastos sociais ao aumento da receita. Todavia, com o início da pandemia e as medidas de aumento de gastos adotadas pelo CN, em 2020, frustraram as expectativas do governo em comprimir os gastos públicos.
No primeiro ano de governo, em 2019, a despesa primária cresceu apenas 2,7%, porém, em 2020, o governo central foi compelido a majorar essas despesas em 31,1%, para acomodar os créditos extraordinários decorrentes dos programas de transferência de renda e de combate à pandemia. Com lockdowns e consequente diminuição das atividades do estado, em 2021, produziram uma compressão das despesas públicas em -23,6%. Por fim, no último ano da gestão Bolsonaro, devido o lançamento de pacote eleitoral de 2022, as despesas primárias total cresceram em 2,1%.
Déficit público primário
A pandemia também corroeu a arrecadação do país. Em função do comportamento das despesas primárias da gestão Bolsonaro. O déficit primário do governo central passou de 1,3% do PIB em 2019 para 10% em 2020, enquanto que, em 2021 obteve um déficit de -0,4%, somente chegando a um superávit 0,5% do PIB no último ano de governo.
Pobreza
Nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro a pobreza no Brasil permaneceu relativamente. O número de pobres atingiu cerca de 24,7% da população em 2019, passando para 22,7% em 2020. O Banco Mundial adota como linha de pobreza os rendimentos per capita US$ 5,50 PPC, equivalentes a R$ 486 mensais per capita.
A insegurança alimentar voltou a crescer em 2021, quando o contingente de brasileiros que se encontravam abaixo da linha de pobreza ficou em cerca de 62,5 milhões de pessoas (ou 29,4% da população do país). No último ano de gestão, o governo registrou uma ligeira queda percentual de pessoas em situação de pobreza atingindo 27,5% da população.
Considerações finais
A breve análise aqui empreendida do governo Bolsonaro mostra a situação da economia brasileira não se apresentou tão favorável: crescimento acumulado do PIB brasileiro para 2020 a 2022 foi menor que o de outros 96 países.
Dois fatores concorrem para justificar o comportamento da economia brasileira nesse período. Para uma corrente de economistas, o ambiente externo desfavorável, decorrente da pandemia da Covid-19 e da guerra a Rússia e a Ucrânia, foi o principal indutor desse desempenho. Para outros, a implantação da política ultraliberal e a postura de confronto adotadas pelo governo Bolsonaro, foram os elementos que levaram a situação de baixo rendimento da economia brasileira.
Para você. Qual dessas escolas você mais se identifica? Ou foi a combinação dessas duas escolas?
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