O peso e a graça de um nome
Nomes são mais que palavras assentadas no Cartório de Registro de Pessoas Naturais. Eles carregam histórias, sonhos e, às vezes, confusões. Podem ser fardos, heranças ou até inspirações. Por isso, quando uma amiga me perguntou de onde vinha "Hayton" (leia-se “ái-ton”), fui levado a refletir sobre as camadas que um nome transporta e as surpresas que ele pode esconder.
Meu nome, na verdade, é um sobrenome de origem anglo-saxônica. Foi escolhido por meu pai em homenagem a um inesquecível amigo que o orientou no início da carreira profissional. Parece leve, mas imaginem o peso das acrobacias linguísticas das pessoas que precisaram me chamar.
No primeiro dia de aula, por exemplo, era sempre um desfile de variantes fonéticas: “Ail-ton, Ei-ton, Rai-ton, Rei-ton, U-áite...”. Tudo, menos "Ái-ton". Se aquele dito popular – "Mate o homem, mas não troque o nome" – fosse levado ao pé da letra, eu já estaria morto. No entanto, bastava uma breve explicação. Hoje, dou risada das confusões, mas reconheço: um nome não é só letras e sons; é um mapa em constante atualização, com caminhos traçados pela história pessoal e coletiva.
Por falar em história, dias atrás me deparei com uma intrigante. Fábia Godoi, influenciadora com 70 mil seguidores, viralizou ao compartilhar um "drama" de família: seu marido registrou a filha com um nome nada convencional. Em vez de “Alice”, ele voltou do cartório com “Alici”. Entre indignação e risos, o vídeo atingiu dois milhões de visualizações, e Fábia desabafou: “Quando ele chegou com o papel, quase tive um treco!”. Confesso que não entendi. Afinal, se “Fábia” e “Alici” são nomes igualmente exóticos, de onde vinha tanto espanto?
A ARPEN Brasil (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais) revelou à revista Exame, no final do ano passado, uma lista com alguns dos nomes mais curiosos já registrados nos cartórios tupiniquins. Entre eles, Aeronauta Barata, Chevrolet da Silva Ford, Dolores Fuertes de Barriga, Esparadrapo Clemente de Sá, Maria Privada de Jesus, Necrotério Pereira da Silva, Pacífico Armando Guerra e Renato Pordeus Furtado não deixam dúvidas: a criatividade dos pais brasileiros não tem limites.
Embora essa criatividade nos nomes seja livre, há uma lei que limita escolhas extravagantes. Felizmente, quem deseja mudar seu nome pode fazê-lo diretamente em um cartório. Mas é necessário ser maior de idade e arcar com uma taxa, que varia entre R$ 100,00 e R$ 400,00, dependendo da região.
Penso no meu próprio legado familiar. O sobrenome “Jurema” vem de minha mãe, uma cabocla paraibana por quem meu pai se apaixonou, na metade do século passado, ouvindo "O Cantor das Multidões", Orlando Silva. De origem tupi-guarani, ecoa raízes indígenas, evocando uma planta espinhosa usada em rituais e uma guerreira venerada na Umbanda. Já o “Rocha”, herdado de meu pai, sugere firmeza – algo que, ironicamente, nunca encontrei em mim.
Posso imaginar a cena no cartório de Itabaiana (PB): meu pai, orgulhoso, registrando o segundo rebento da prole, primeiro homem. Além do nome, na época também se anotava a "cútis". No caso, ficou “cútis morena”. Anos depois, um querido amigo meu, de pele ainda mais escura, mostrou seu registro com ar gozador: “cútis branca”. Minha mãe, espirituosa, rebateu: “Ôxe... Pelanco de urubu também nasce branco!”. Esses rótulos de pele, assim como os nomes, são tentativas de simplificar algo bem mais complexo e mutável: nossa identidade.
Meus pais poderiam ter surfado naquela onda bem brasileira de misturar os próprios nomes, “Agostinho” e “Eudócia”, para batizar os nove filhos. Que tal "Eutinho" para mim? Seria overdose para mamute! Talvez “Agostócia” até agradasse uma de minhas irmãs. Felizmente, foram por outro caminho, e assim botei o pé no mundo com um nome, digamos, diferente.
Já meu irmão Hélder teve mais sorte: foi batizado em homenagem a Dom Hélder Câmara, um nordestino indicado algumas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, defensor dos direitos humanos durante a ditadura militar. Um peso histórico que ele, por escolha ou acaso, nunca se esforçou muito para honrar politicamente. A verdade é que isso acontece com mais frequência do que se imagina. Nem sempre o nome inspira o legado.
Com o tempo, aprendi a aceitar as confusões em torno do meu nome. Fazer o quê? Penso nisso toda vez que me lembro de Rossano Maranhão Pinto, um velho conhecido. Deve suar frio, até hoje, quando escuta nos alto-falantes dos aeroportos o anúncio aos retardatários: "Última chamada para embarque do Sr. Rossano Pinto". A cacofonia é cruel.
"Deixando a profundidade de lado (palavras do sábio cearense Belchior)", eu vos direi no entanto: nomes são etiquetas temporárias. Servem apenas de tiro de partida para a grande correria, dando pistas sobre de onde viemos, mas não nos definem na fita de chegada.
O que fica não são letras nem sons, mas as marcas que deixamos na memória de quem cruzou nosso caminho na divina comédia humana escrita por todos nós.
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