Cultura
Bordadeiras querem proteger tradição e conquistar novos mercados
Bordado filé é considerado patrimônio imaterial de Alagoas
A venda para os turistas é uma das principais fontes de renda para as artesãs que fazem o bordado filé na Região das Lagoas Mundaú e Manguaba, em Alagoas. Mas para terem mais visibilidade e recursos, elas querem alcançar novos mercados e maior valorização das peças.
Quando viram seus produtos ameaçados pela concorrência do bordado filé que chegava de outros estados às feiras de artesanato, feito com material mais barato e menos durável, as bordadeiras alagoanas entenderam que precisavam se unir, conta a artesã Petrúcia Lopes. “Elas estavam deixando de fazer nosso filé original com pontos variados, como as avós faziam, para fazer esse filé que vinha de fora e vender para o turista”, explica.
Com a assessoria do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), diferentes associações de filezeiras que atuam em Maceió, Marechal Deodoro, Pilar, Satuba, Santa Luzia do Norte e Coqueiro Seco se reuniram para criar o Instituto do Bordado Filé da Região das Lagoas Mundaú e Manguaba, o Inbordal.
Organizadas, elas conseguiram o registro do bordado filé como Patrimônio Cultural e Imaterial de Alagoas em 2014. Dois anos depois comemoraram o reconhecimento da região como Indicação Geográfica (IG) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) na modalidade Indicação de Procedência do bordado filé.
O Inbordal é o órgão regulador do bordado filé. As artesãs que vivem na região e desejam utilizar o selo da IG nas suas peças devem recorrer à entidade. Para obter o selo, é preciso fazer o produto de acordo com o Caderno de Instrução do Bordado Filé, que foi elaborado pelas bordadeiras.
A malha deve ter espaçamento de no máximo 1,5 centímetro, a linha tem que ser de algodão e uma variedade de pontos tradicionais precisa ser usada no trabalho, embora pontos novos também sejam aceitos. “O produto passa por um Conselho Regulador composto por três artesãs do próprio instituto eleitas pelas associadas”, explica Petrúcia, que é vice-presidente do Inbordal.
Pelo site do Inbordal, o comprador pode rastrear o bordado filé digitando o código presente na etiqueta.
Segundo Maylda Cristina Soares da Silva, presidente do instituto, antes da Indicação Geográfica, cada grupo trabalhava de um jeito. “A gente não tinha noção de preço nem de valor, só sabia que bordava, vendia e ganhava um trocado. Com a consultoria do Sebrae, nós aprendemos tudo: atender o público, tabela de preço e a gente aprendeu a valorizar o nosso trabalho”, conclui.
O Inbordal recebe encomendas e reparte a demanda entre as associadas. Quando uma mulher leva o bordado pra casa, divide a tarefa com as bordadeiras da família e todas ganham. “Nós fizemos todo um trabalho para trazer novos clientes, o que fez com que a gente tivesse demanda de vários estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso. Pegamos também encomenda para os Estados Unidos,” conta Petrúcia.
A arquiteta e consultora do Sebrae Marta Melo afirma que o mercado do artesanato ainda é incipiente no Brasil. Para ela, falta reconhecimento ao valor artístico do trabalho manual. “Como o consumidor brasileiro não está ainda acostumado com a Indicação Geográfica no artesanato e como a oferta é muito grande, elas [as artesãs] têm dificuldade de posicionamento de mercado. Então fomos procurar mercados mais exclusivos, como algumas grifes, para fazer parcerias,” completa Marta.
Lojas em Trancoso, na Bahia, e São Miguel dos Milagres, em Alagoas, têm dado visibilidade ao bordado filé, assim como a parceria com a marca de bolsas Mog, criada pelas amigas baianas Lívia Novaes e Ana Paula Maciel Rocha, com o propósito de prestigiar a arte brasileira feita à mão.
As sócias mapearam as artes alagoanas e se identificaram com a qualidade e a segurança passada pelas artesãs do Inbordal. Elas aplicam o bordado filé na decoração das bolsas “com o conceito de clássico, elegante e atemporal”, afirma Lívia.
A empresa produziu 200 peças para exportação e no momento foca no mercado interno por meio de contatos diretos e vendas nas redes sociais. Outro exemplo de sucesso apontado pelo Inbordal foi a coleção de verão da Cantão em 2014 que usou o bordado filé nas roupas, acessórios e calçados.
O esforço das artesãs tem dado resultados. Três filezeiras foram selecionadas no 5º Prêmio Top 100 de artesanato do Sebrae, que é a principal ação de reconhecimento de quem faz produtos artesanais do país. Os jurados avaliam qualidade técnica, estética, simbólica, inovação, condições de trabalho, organização da produção, compromisso socioambiental, experiência comercial e estratégias de adaptação. A proposta é estimular o aprimoramento do artesanato brasileiro.
Rota turística
Para dar mais notoriedade ao trabalho, elas propõem a criação da Rota Turística do Bordado Filé da Região das Lagoas Mundaú e Manguaba, a exemplo da Rota do vinho, no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, e da Rota do Queijo, na Serra da Canastra, em Minas Gerais. A rota incluiria atrativos naturais, gastronômicos e históricos do ambiente no qual está inserida a tradição do filé.
Na proposta apresentada pelo Inbordal ao governo do estado e às prefeituras de Maceió, Marechal Deodoro e Coqueiro Seco, as artesãs defendem a criação de um museu do filé e a realização oficinas de bordado, assim como passeios pelas ilhas de mangue, banho de bica e de mar. Visita a igrejas, santuários e casario que remete ao tempo da colonização seriam parte das atrações culturais. Esportes náuticos, como pesca artesanal, canoagem, campeonato de vela podem ter apelo para os turistas mais aventureiros. E a gastronomia, com degustação de camarão, peixadas e pratos à base de mariscos, completa a experiência.
Os turistas ganhariam um passaporte expedido pelo Inbordal. “Seria o reconhecimento do nosso trabalho”, defende Maylda. “A nossa meta é expandir o bordado da região das lagoas para todo o Brasil e para o mundo”, projeta a presidente.
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