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As quatro lendas sobre as pesquisas eleitorais
Diretor de amostragem na Universidade de Michigan desmente os principais mitos sobre levantamentos eleitorais
Entra e sai eleição, e alguns mitos sobre pesquisas eleitorais seguem sendo repetidos. Quem já ouviu alguém bradar, em tom de desdém, que nunca foi entrevistado por um instituto de pesquisa e que, por isso, elas não seriam confiáveis? Ou que os levantamentos eleitorais erraram esse ou aquele resultado da votação? Esses são erros de concepção comuns entre os eleitores, como explica o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan. O especialista explicou le listou – e desmentiu – as quatro principais lendas sobre pesquisas eleitorais.
1ª lenda: “Não é possível chegar a resultados para 150 milhões de eleitores com uma amostra com 3 mil entrevistados”
É frequente ouvir questionamentos sobre o tamanho das amostras das pesquisas e sobre como é possível tirar conclusões a respeito da intenção de voto de milhões de eleitores por meio de apenas 2 ou 3 mil entrevistados. A resposta para esse mito é simples e está na metodologia de pesquisa.
Nishimura explica que existem fórmulas para se calcular a amostra para determinado tipo de pesquisa, com base no nível de precisão (a famosa margem de erro) que se quer. Quando a população é grande – seja na Irlanda, com 5 milhões de habitantes, ou na China, com 1,4 bilhão -, o tamanho da amostra passa a ser irrelevante. Ou seja, não é porque uma população é muito maior do que a outra que o número de entrevistados vai ser diferente. Uma pesquisa na Irlanda ou na China teria a mesma base numérica de selecionados a responder as perguntas.
“A partir de um certo tamanho, a população não é um fator relevante para o cálculo da amostra. Com uma amostra com 2 mil, 3 mil respondentes é perfeitamente possível obter estimativas com um bom nível de precisão, com margem de erro de 2, 3 pontos, independente se sua população tenha 150 milhões ou talvez 100 mil eleitores”, explica o estatístico, com mais de 15 anos de experiência. “No caso de cidades menores, com mil habitantes, por exemplo, o tamanho da população tem maior impacto”, completa ele.
2ª lenda: “Nunca fui selecionado para uma pesquisa eleitoral”
Nishimura rebate essa lenda com outro questionamento: “A pergunta que as pessoas deveriam fazer é qual é a probabilidade de elas serem selecionadas para uma pesquisa eleitoral”. O diretor de amostragem na Universidade de Michigan fez os cálculos e explica por que não é tão inesperado que a maioria dos eleitores não tenha sido abordada por algum instituto de pesquisa.
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Para o cálculo, Nishimura fez algumas suposições. Primeiro, considerou que todos os eleitores têm a mesma probabilidade de ser selecionado para uma pesquisa eleitoral – os institutos trabalham com a tentativa de que esse seja o cenário. O número médio de entrevistados é de 2 mil respondentes num universo de cerca de 150 milhões de eleitores. A probabilidade de um eleitor ser selecionado para uma pesquisa eleitoral nesse cenário é de 0,001%. “É uma probabilidade ínfima de você ser selecionado. Não é menor do que ganhar na Mega-Sena, mas é ínfima”, sentencia o pesquisador.
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Um leitor mais astuto poderia colocar em xeque as premissas para o cálculo, alegando, por exemplo, que ele foi feito para a chance de o eleitor ser selecionado para apenas uma pesquisa. Nishimura, então, faz uma conta em que leva em consideração todas as variáveis de maneira generosa. O estatístico trabalhou com o cenário de quem tem votado nos últimos 34 anos – desde a primeira eleição direta após a ditadura militar -, com um prognóstico de que, em anos eleitorais, são realizadas cerca de 600 pesquisas e que cada uma delas ouve cerca de 2 mil pessoas. E acrescentou a suposição de que o eleitor está em grandes centros urbanos – o que também aumentaria as chances de ser entrevistado.
Ainda assim, a probabilidade de alguém ser selecionado para alguma pesquisa nessas três décadas chegaria a 12,72%. Vale lembrar: o número de pesquisas é bem mais alto hoje em dia do que no passado e o número de respondentes, em boa parte, não chega a 2 mil, principalmente nas eleições municipais. “Ou seja, mesmo nesse período inteiro, é muito mais provável que você não seja selecionado do que você seja selecionado para uma pesquisa. Se você não tem idade suficiente para ter votado ao longo desses 34 anos, esse percentual diminui ainda mais”.
3ª lenda: “Todas as pesquisas eleitorais erraram os resultados em 2018”
As pesquisas eleitorais são um retrato do momento. Levantamentos desse tipo delimitam a amostra no espaço geográfico e no tempo. Até mesmo o Censo é assim. Quando o Censo deste ano for realizado, o IBGE vai questionar o respondente sobre o número de pessoas que habitavam aquele determinado domicílio no dia 1º de agosto de 2022. O total de população que for, posteriormente, divulgado, vai se referir a essa data.
Tentar extrapolar os resultados para além do espaço geográfico e do período de realização da pesquisa não é o objetivo dos levantamentos eleitorais, salienta o pesquisador da Universidade de Michigan.
“Pesquisa é uma fotografia do momento. Você pode tirar várias fotografias ao longo do tempo para tentar ver tendências. Só que é falacioso dizer que a pesquisa errou ou acertou porque, antes ou no dia da eleição, existem dinâmicas no eleitorado que podem fazer com que os eleitores mudem de opinião. Uma pesquisa realizada uma semana ou um dia antes da eleição retrata aquele momento, não vai ser um prognóstico do que vai ser na eleição. Algo pode mudar, pode ter algum acontecimento político, por exemplo”, explica Nishimura. Para ele, talvez a única pesquisa eleitoral que pode ser comparada com o resultado da eleição seja a de boca de urna.
O estatístico lembra que, nas eleições presidenciais de 2018, as pesquisas eleitorais já demonstravam uma tendência que foi confirmada com o resultado do pleito.
Um erro comum das pessoas é não entender, por exemplo, que várias simulações de segundo turno são feitas com um ano de antecedência do primeiro turno. E que a dinâmica muda quando o primeiro turno é concluído.
Até existem modelos para prever um futuro resultado, assim como para fazer previsões meteorológicas ou movimentos do mercado financeiro. Mas, quando se trata do cenário eleitoral, tudo é muito volátil. “A dinâmica eleitoral é mais instável e está mais suscetível a mudanças bruscas do que tentar prever o tempo ou mesmo as movimentações do mercado com modelos financeiros”, explica Nishimura.
4ª lenda: “Enquetes online com milhares de respondentes são mais precisas do que pesquisas eleitorais”
Enquetes na internet – ou qualquer outro tipo delas – não têm preocupação com amostragem e coleta de dados. Não há nelas rigor metodológico que permita fazer inferências estatísticas para o resto da população, explica Nishimura. O grupo que está respondendo à enquete pode, por exemplo, ter características e preferências muito similares, inclusive contrárias à maioria do eleitorado. Será, portanto, uma amostra que produzirá estimativas enviesadas. “Ter mais ou menos respondentes não é tão relevante”, diz o estatístico da Universidade de Michigan, completando: “Mesmo uma amostra com 1 milhão de respondentes, se não for cuidadosamente planejada, pode sofrer viés que pesquisas eleitorais planejadas não vão ter”.
Nishimura traz um exemplo do que aconteceu na eleição presidencial americana em 1936. Naquele ano, concorriam à Casa Branca o republicano Alfred Landon e o democrata Franklin Roosevelt. A revista Literary Digest fez uma enquete com os assinantes, como realizara em pleitos anteriores. Conseguiu 2,27 milhões de respondentes. A maioria disse que votaria no candidato republicano. Mas, na eleição, o democrata venceu em praticamente todos os estados. “Se você tem um viés na amostra, não importa o tamanho dela. O erro vai persistir”, finaliza o pesquisador.
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