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SPORT WASHING

Polêmicas envolvem realização da Copa do Mundo no Catar

Primeira edição do Mundial em solo árabe também é marcada por violações aos direitos humanos e protestos

Por Redação com site* 20/11/2022 12h12
Polêmicas envolvem realização da Copa do Mundo no Catar
Sport Washing é uma manobra utilizada por governo autoritários ou ditatoriais de usarem o esporte como uma ferramenta para “limpar a imagem” perante a população ou comunidade internacional

“Tem duas trilhas para seguir: a legítima, que é essa de expandir o alcance da Copa do Mundo, e a que é dos esquemas de corrupção. Às vezes, elas caminham lado a lado”, afirma o professor de Relações Internacionais José Antônio Lima, especializado em Oriente Médio, da Universidade Rio Branco. A realização do Mundial no Catar é marcada por fatores extracampo, envolvendo tanto o governo local quanto escândalos de corrupção na Fifa.

O Catar foi escolhido em 2010 para realizar o Mundial de 2022, ao vencer uma disputa contra Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Austrália. Porém, anos mais tarde, foi revelado pelo jornal inglês “Sunday Times” a compra de votos para a definição da sede. O presidente da Fifa na época, Joseph Blatter, chegou a ser banido do esporte justamente por casos de corrupção.
As polêmicas envolvendo o país do Golfo Pérsico têm outras facetas. Segundo reportagem do jornal “The Guardian”, de fevereiro de 2021, mais de 6,5 mil trabalhadores, sendo a maioria absoluta de imigrantes de países como Índia, Paquistão e Omã, morreram nas obras dos estádios para a Copa.

Os trabalhadores também sofreram com condições análogas à escravidão, com grandes jornadas de trabalho e infraestrutura precária. Outro ponto são os direitos humanos, frequentemente violados no país.
A geopolítica
O Catar é um país da região conhecida como Oriente Médio, fazendo fronteiras marítimas ou terrestres com países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e o Irã.

A região é conhecida, entre outros fatores, pelas imensas reservas de petróleo, o que faz com que esses países detenham grande fortuna, porém, o Catar não entra nesse mercado, o que o levou a buscar renda no gás natural, sendo o terceiro maior produtor do mundo.

O movimento de extração fez com que o país, de apenas três milhões de habitantes, começasse a exercer uma política externa voltada para a segurança contra os vizinhos Irã e Arábia Saudita.

Em países árabes como Catar e Emirados Árabes, com fundos nacionais se misturando com o dinheiro das famílias que estão no poder, príncipes e outros ricos entraram no esporte como forma de exercer poder internacionalmente. Surgiu, então, o termo “sport washing”.

O que é “sport washing”

O termo é a junção de duas palavras inglesas — sport (esporte) e washing (lavar) — e tem como significado a manobra utilizada por governo autoritários ou ditatoriais de usarem o esporte como uma ferramenta para “limpar a imagem” perante a população ou comunidade internacional.

Essa tática não é nova — era usada na Roma Antiga pelos imperadores com as batalhas no Coliseu. O termo ganhou força justamente com a “disputa por egos” dos governos árabes no mundo esportivo, segundo o professor de História das Relações Internacionais na UniCuritiba e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Oriente Médio (Gepom) Andrew Traumann.

“A gente está vendo uma competição entre os países do Golfo [Pérsico]. Faz algum tempo que temos na Fórmula 1 o GP do Bahrein, o GP de Dubai e agora da Arábia Saudita. Então existe uma competição que está fora daquela questão só de petróleo. Parece que há uma disputa de vaidades entre os príncipes locais por projeção internacional”, diz.

“Como o futebol é o esporte mais popular do planeta, eles logo se deram conta de uma maneira de projetar seu países e a si mesmos. Não só no caso do PSG [time francês cuja propriedade é vinculada ao governo do Catar], mas na Inglaterra tem o Manchester City, dos Emirados Árabes, e recentemente o príncipe herdeiro da Arábia Saudita comprou o Newcastle. Então estamos vendo o futebol europeu se tornando um tabuleiro de xadrez das monarquias árabes, que é uma guerra muito mais de ego.”

O “lado legítimo” da Copa

Apesar de todas as críticas, tanto Andrew quanto José Lima levam em consideração o que ambos apontaram como “lado legítimo” por trás da escolha do Catar para sediar a Copa do Mundo.

“Se a Fifa tem como um dos princípios buscar ao máximo universalizar o futebol, então eu acho que a Copa estar no Oriente Médio é muito significativo. Estamos falando de uma região que tem uma quantidade de torcedores fanáticos, principalmente em países como Argélia e Egito. Isso acaba servindo para ampliar o alcance do futebol”, analisa Antônio Lima.

Traumann segue a mesma linha, mas se disse “decepcionado”. “Na época da escolha do Catar, fui super a favor, achei que seria super legal ter uma Copa do Oriente Médio para tirar esse foco só do terrorismo e noticiário negativo. Achei uma boa ideia, só que depois você vai vendo que não foi uma escolha meritocrática. E quando você descobre a corrupção e a compra de votos, aí você se decepciona.”

O “fator Fifa”

Além dos escândalos de corrupção, a maior entidade do futebol não conseguiu sair ilesa em relação às pautas humanitárias do Catar e se tornou um dos principais alvos dos protestos contra a realização no Mundial.

“A Fifa tem um histórico de escolher países autoritários e países com regimes, no mínimo, questionáveis. A gente teve em 1978 a Copa da Argentina, durante a ditadura. Daí temos a Copa na Rússia em 2018”, cita Traumann.

Lima inclui as escolhas do Comitê Olímpico Internacional (COI). “A Copa no Catar levanta questões legítimas a respeito de até que ponto a Fifa e o COI estão dispostos a tolerar violações de direitos em nome da realização dos seus torneios. A gente precisa olhar para outros lugares que já receberam eventos como esse, e a grita não foi tão grande.”

Ele também coloca em questão a capacidade de entidades esportivas interferirem em pautas humanitárias e sociais. “A ONU não consegue fazer com que seus integrantes respeitem os direitos humanos. Será que a Fifa vai conseguir? São perguntas altamente complexas. Todos os questionamentos ao Catar são legítimos, mas a questão é se é possível uma entidade esportiva ter essa possibilidade de só realizar eventos onde há um super respeito aos direitos humanos?”.

Traumann avalia que a entidade não se comove com questões sociais. “As críticas que eles recebem é o preço que a Fifa paga pela sua corrupção. Estão ocorrendo protestos no Irã, e um grupo pediu até a exclusão do país do Mundial. Olha para quem eles estão pedindo. A gente está falando da Fifa, que deu uma Copa para a Rússia, para o Catar. Ela iria se sensibilizar com essa questão?”, diz.

A Copa do Mundo no Catar começa neste domingo (20) e vai até o dia 18 de dezembro.

*CNN BRASIL

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