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A Terra está muito fraca para receber as pancadas que estamos dando’, alerta cientista
“Estamos batendo muito forte no planeta com as mudanças climáticas, a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global. Se ele não estiver saudável, vai colapsar. Infelizmente, por estarmos quebrando os limites planetários, a Terra está muito fraca ao receber essas pancadas.”
O diagnóstico é do pesquisador sueco Johan Rockström, que vem, pelo menos desde 2009, alertando que, além dos impactos ao clima, as atividades humanas estão comprometendo uma série de condições do planeta – o que coloca a Terra em uma perigosa situação de fragilidade. Seu trabalho mais recente, publicado nesta semana, revela o rápido avanço dessa degradação.
Em entrevista exclusiva à Agência Pública, o diretor do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre Impacto Climático e professor do Centro de Resiliência de Estocolmo, explicou que as várias alterações que estamos promovendo “interagem entre si e nos aproximam de pontos irreversíveis” em sistemas fundamentais para o funcionamento da Terra.
Rockström coordenou um trabalho seminal em colaboração com outros 27 cientistas, publicado em 2009 na revista científica Nature, que introduziu o conceito de limites planetários. O objetivo era identificar quais são os pilares que garantem a estabilidade da Terra e da vida humana.
O grupo estabeleceu que há nove limites planetários: mudança climática, integridade da biosfera, mudanças no uso do solo, disponibilidade de água doce, fluxos biogeoquímicos (representados pelos ciclos de nitrogênio e fósforo), acidificação dos oceanos, carga de aerossóis na atmosfera, esgotamento da camada de ozônio e o que foi chamado de “novas entidades” (partículas que não existiam na natureza e foram introduzidas pela ação humana, como microplásticos, transgênicos e rejeitos nucleares).
No primeiro trabalho, três barreiras tinham sido ultrapassadas. Em 2015, já eram quatro. Neste ano, os pesquisadores alertaram que saltou para seis (veja gráfico abaixo).
Panorama atual dos nove limites planetários que a terra já ultrapassou
Panorama atual dos nove limites planetários
Atividades humanas como desmatamento, emissão de poluentes e fertilização do solo aumentam a pressão exercida sobre os sistemas da Terra e podem causar a violação dos limites planetários, quando as condições encontradas no planeta estão fora dos limites da zona segura de operação (em verde). O grau de ruptura aumenta na direção da cor vermelha e a zona de alto risco é representada pela faixa roxa. Por serem interdependentes, a transgressão de um limite favorece a quebra dos outros.
Um relatório publicado nesta terça-feira (24) na revista BioScience, da Universidade de Oxford, compilou dados climáticos observados ao longo de 2023 e apontou que o planeta está entrando em um “território desconhecido” com a intensificação das mudanças climáticas. O estudo mostra que 20 dos 35 sinais vitais do planeta usados para monitorar o clima estão em níveis recordes, como emissões globais de gás carbônico (CO2), acidez dos oceanos, concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e redução da cobertura de gelo nos polos.
“O relatório climático alerta que os eventos observados em 2023, que são completamente anormais, podem se tornar normais muito em breve”, disse Rockström, que é um dos autores do trabalho.
À Pública, o pesquisador critica a inação dos governantes diante das evidências científicas cada vez mais robustas, clama por decisões mais efetivas contra os combustíveis fósseis na próxima Conferência do Clima, que será realizada em Dubai em dezembro, e dá um puxão de orelha no Brasil.
“Cientificamente é um desvio completo do caminho da ação necessária [para combater as mudanças climáticas]. Não há espaço para mais petróleo – em uma exploração que também pode destruir mais ainda a biodiversidade. É a direção errada”, disse, em relação aos planos de explorar petróleo na Foz do Amazonas. Mas ponderou que hoje nenhum país tem condições de apontar o dedo para o Brasil. “Porque mesmo os países ricos não estão conseguindo lidar com os desafios da transição [energética]”.
Confira a seguir.
O senhor vem alertando, pelo menos desde 2009, que a humanidade está ultrapassando os limites de segurança do planeta nos sistemas que dão suporte à vida na Terra. Uma situação que só piorou desde então. O que isso significa?
O sistema de limites planetários mede as condições do planeta inteiro. É como se fosse um check-up de saúde, que analisa todos os “órgãos” da Terra e vai muito além do clima, envolve todos os sistemas que nós dependemos enquanto humanos: biodiversidade, oceanos, camada de ozônio, poluição atmosférica, ciclos de nutrientes, mudanças no uso do solo e disponibilidade de água. Hoje já estamos vendo impactos na segurança alimentar e energética, na disponibilidade de água e no aumento da degradação do solo. Temos sentido cada vez mais impactos da transgressão dos limites do clima e da biodiversidade, com a poluição das águas e a sobrecarga de nitrogênio no solo. Tudo isso gera custos sociais e econômicos.
Já ultrapassamos seis dos nove limites planetários. Só que eles interagem entre si e nos aproximam de pontos irreversíveis, o que é ainda mais preocupante. Estamos tão, tão distantes do estado sustentável do planeta que podemos atingir o ponto de não retorno da Amazônia, e não só por causa das mudanças climáticas, mas também pela perda de biodiversidade e mudanças no uso da terra [basicamente o desmatamento para a colocação de pastagem ou agricultura]. A estimativa é que 17% da floresta já foi perdida, e não podemos ultrapassar os 25%: este é o limite que estabelecemos, em parceria com o cientista [brasileiro] Carlos Nobre.
Outro aspecto é que as discussões de sustentabilidade no mundo estão muito concentradas nas mudanças climáticas, mas se focarmos apenas nas soluções para evitá-las, corremos o grande risco de quebrar os limites da natureza: biodiversidade, água, terra, nitrogênio e fósforo. Esses outros limites podem, por si mesmos, nos fazer falhar na solução dos problemas do clima.
É simples: estamos batendo muito forte no planeta com as mudanças climáticas, a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento global. Se ele não estiver saudável, vai colapsar. Infelizmente, por estarmos quebrando os limites planetários, a Terra está muito fraca ao receber essas pancadas. É uma combinação infeliz, o planeta está perdendo resiliência para enfrentar esses impactos, o que nos aproxima de pontos de não retorno. Por isso a urgência de revertermos as curvas de emissões e voltarmos para um estado seguro para a humanidade.
O sr. se surpreendeu com o avanço da pressão humana sobre os sistemas da Terra?
Não fiquei surpreso, infelizmente. Em 2009 nós avaliamos que três dos nove limites estavam além dos níveis seguros. Em 2015 eram quatro, e agora são seis. O quadro geral está ficando cada vez pior, já que os quatro limites que estavam violados em 2015 [mudança do clima, integridade da biosfera, uso da terra e sobrecarga de nutrientes] estão em uma situação ainda mais crítica agora.
Estamos caminhando na direção errada e isso é grave demais. Por que temos tantos incêndios florestais ao redor do mundo? Porque temos altas temperaturas e mudanças no regime de chuvas, e essa combinação de calor com falta de chuvas promove a seca dos ecossistemas e favorece os incêndios. A água é fundamental para manter a natureza intacta, o que prova que os limites planetários são necessários para resolver a crise climática.
Nesta terça-feira (24) foi publicado um artigo, do qual o sr. é um dos autores, que diz que o planeta está entrando em um “território desconhecido” com as alterações do clima e dos ecossistemas promovidas pela ação humana. O trabalho cita como exemplo os recordes de temperatura, de emissões de CO2, a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera e redução da cobertura de gelo nos polos que já estamos vivenciando. O que isso tudo nos diz sobre o futuro próximo?
O relatório climático alerta que os eventos observados em 2023, que são completamente anormais, podem se tornar normais muito em breve. Nós estamos bastante chocados com o que está acontecendo neste ano. Sabíamos que havia grandes chances de entrarmos em um novo El Niño, que é um evento natural que aquece o oceano Pacífico e libera calor para a atmosfera na costa do Peru. Mas esse não é qualquer El Niño, é um El Niño amplificado pelo aquecimento global causado por nós.
Mapeamos neste estudo que ao redor do mundo todo foram observadas temperaturas recordes, um calor jamais visto antes e que não está nem perto da faixa da variabilidade normal. É quase fora do gráfico. Recordes de temperatura na Califórnia, no Paquistão, na China. Derretimento recorde da Antártida e do Ártico. Temos observações completamente sem precedentes de altas temperaturas nos oceanos. E a média global de temperaturas na superfície ultrapassou o aumento de 1,5 ºC [em relação à era pré-industrial] durante vários dias de setembro.
Mais de 7 trilhões de dólares foram gastos com subsídios de combustíveis fósseis no mundo todo em 2022. O sr. enxerga alguma chance da humanidade limitar o aquecimento global a níveis seguros e cumprir o Acordo de Paris?
Concluímos neste relatório que nos aproximamos rapidamente do ponto de virada do clima. Estamos atualmente com um aquecimento de 1,3 ºC e certamente passaremos da marca de 1,5 ºC em 15 anos, por volta de 2035, se continuarmos queimando combustíveis fósseis como hoje – e não há sinal de reduções.
Se passarmos de 1,5 ºC, estaremos propensos a cruzar uma série de pontos de não retorno: em relação à camada de gelo na Groenlândia e na Antártida, nos recifes de corais, em basicamente todos os sistemas tropicais. Já rompemos tantos limites planetários que a capacidade de sequestro de carbono pelas florestas está reduzida, e os aerossóis presentes na poluição do ar mascaram o nível real de aquecimento.
A janela para limitar o aquecimento global a 1,5 ºC ainda está aberta e devemos fazer o possível para alcançar esse objetivo. Mas não temos mais evidências de que atingiremos esse número diretamente. O melhor cenário possível é ultrapassarmos o aquecimento seguro, chegando em 1,7 ºC, e depois retornarmos ao patamar de 1,5 ºC.
O desafio é que esse período de ultrapassagem pode durar 30 ou 40 anos, e o quadro só será revertido se conseguirmos eliminar os combustíveis fósseis até 2050. Mas ninguém sabe o que pode acontecer nesse intervalo de tempo. Voltando à minha analogia, se isso ocorrer com um planeta já bastante fraco, esse período pode ser bastante perigoso. Teremos uma chance muito maior de evitar pontos irreversíveis se preservarmos as florestas temperadas do Canadá, a floresta do Congo e a Amazônia. Mas como esses ecossistemas estão enfraquecidos, não dá para ter certeza de que a ultrapassagem do aquecimento será tolerável [por eles].
*Apublica.org
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