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Setor sucroalcooleiro acumula água suficiente para abastecer metade de São Paulo
Levantamento inédito feito pela Agência Pública revela quem de fato são os “donos” da água no Brasil. Segundo o estudo, o vice-campeão em volume de autorizações para captação de água no Brasil é o setor sucroalcooleiro, que inclui companhias do setor de álcool, açúcar e etanol.
Treze empresas, espalhadas por nove estados brasileiros, concentram quase 500 outorgas, com permissão para captar 1,24 trilhões de litros por ano. O montante equivale ao abastecimento de 22,3 milhões de brasileiros. A maior parte da água outorgada a empresas do setor se concentra em São Paulo. São 580,8 bilhões de litros, quase 50% do total.
A lista inclui gigantes do agronegócio, do setor sucroalcooleiro e do papel e celulose, entre outras companhias, que pouco ou nada pagam para captar os trilhões de litros que são base para seus negócios. As empresas estão espalhadas por 139 municípios de 19 estados brasileiros nas cinco regiões do país, sendo que mais da metade da água autorizada está concentrada em Minas Gerais, Bahia e São Paulo.
Várias das companhias sucroalcooleiras “donas” da água acumulam histórico de denúncias socioambientais.
Uma das empresas do setor que teve o nome associado a um flagrante de trabalho escravo é a Usina Coruripe, que tem unidades espalhadas em Minas Gerais e Alagoas e acumula 72,2 bilhões de litros anuais em outorgas. A sucroalcooleira, que é fornecedora da Coca-Cola e do Posto Ipiranga, arrendava as fazendas em que houve o resgate de 19 pessoas no ano passado. Um dos trabalhadores acabou morrendo por conta de uma infecção contraída na fazenda da Coruripe, que é parte do Grupo Tércio Wanderley.
Em nota enviada, a usina disse que “faz uso eficiente da água e mantém compromisso de reduzir o consumo por tonelada de cana moída, meta que é anualmente auditada por uma empresa externa”. Afirmou que usa 1,35 metro cúbico de água por tonelada de cana e que ” “o volume é 36% menor do que era consumido há quatro anos”.
A empresa informou ainda que “A Coruripe também “direciona esforços para a gestão de mananciais e corpos d’água, seja por meio de atividades de preservação e conservação, seja de recuperação” e que tem “. Hoje, as ações de ESG da companhia incluem RPPNs e outros projetos ambientais, com “23 mil hectares de vegetação preservada/nativa e 70 mil mudas produzidas para reflorestamento da Mata Atlântica e Cerrado”.
Sobre a questão trabalhista, afirmou que “foi isenta de qualquer responsabilidade no inquérito criminal conduzido pela Polícia Federal, que investigava o crime de trabalho análogo ao de escravo.” A investigação ocorreu em razão da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, ocorrida em 27/04/2022, em duas das 498 empresas fornecedoras de cana-de-açúcar da Usina Coruripe, tendo sido levantados indícios de irregularidades trabalhistas naquela ocasião.” Leia o posicionamento na íntegra.
Também se destaca no setor a Raízen Energia, parceria da Shell com a brasileira Cosan, que já figurou na Lista Suja do Trabalho Escravo. Maior empresa do setor sucroalcooleiro do país, a Raízen possui outorgas para captar 115,3 bilhões de litros por ano em Minas Gerais e São Paulo.
O atual CEO da companhia é Ricardo Mussa, que entre 2007 e 2013 esteve à frente da Radar Propriedades Agrícolas. A gestora de terras é uma joint venture entre a Cosan e a TIAA, que gerencia fundos de pensão bilionários de professores e servidores públicos dos Estados Unidos. O período de Mussa no comando da Radar coincide com a época em que a empresa comprou terras de acusados de grilagem no Brasil e atuou para driblar a legislação brasileira, como denunciou a Pública em parceria com a OCCRP.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, a assessoria de imprensa da Raízen e da Cosan disse que “a empresa realiza constantes estudos de corpo hídrico para que a captação de água seja compatível com a disponibilidade do recurso, ocorra de forma sustentável e tenha embasamento técnico”. Destacou também uma série de medidas que teriam sido tomadas para mitigar o impacto da utilização de água, como a “[economia] de 1 bilhão de litros de água” na última safra e uma política de águas e recursos hídricos.
Em relação à denúncia sobre a Radar, a Cosan afirmou que “não compactua com práticas irregulares e que sua atuação em gestão de terras, a partir de suas controladas, é pautada em protocolos rígidos e que respeitam a legislação fundiária vigente no Brasil”. Já sobre a presença da Cosan na Lista Suja por determinado período, a empresa afirmou que na época dos fatos, quando tomou ciência da situação, regularizou a situação dos trabalhadores e descredenciou a empresa terceirizada responsável. Leia a íntegra dos esclarecimentos.
Mas quem puxa a fila é a BP Bunge, união dos negócios de bioenergia e açúcar dos grupos BP e Bunge no país e dona de várias usinas espalhadas pelo Brasil. A empresa tem outorgas para captar 185,2 bilhões de litros anuais, água suficiente para abastecer toda Belo Horizonte (MG) e São Luís (MA) somadas.
Em março deste ano uma megaoperação resgatou 212 trabalhadores em condições análogas à escravidão do plantio de cana-de-açúcar de uma terceirizada em Goiás que prestava serviços para a BP Bunge. Na ocasião, a empresa disse em nota “repudiar qualquer prática irregular relacionada à saúde e segurança do trabalhador” e que “não compactua com situações que exponham as pessoas à condição degradante de trabalho”.
Em resposta, a BP Bunge afirmou que “todas as outorgas que a empresa possui referentes ao uso de recursos hídricos são concedidas pelos órgãos competentes, portanto regularizadas, e que o volume de consumo segue os limites por elas determinados”.
Além disso, destacou medidas ambientais tomadas pela companhia, incluindo “uma regressão de 8% no volume de água captada para as operações industriais”. A BP Bunge tem outorgas para captar 185,2 bilhões de litros anuais.
*Com informações da Agência Pública
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