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Dirceu: ‘Governar nas condições do presidente Lula é quase impossível’
Entre preocupado com quadro geral e confiante à eleição, petista engaja-se em formação política
Acontecimentos recentes mostram o governo em uma situação complicada. Derrubada de veto presidencial, devolução de medida provisória que renderia bilhões em impostos, empresário graúdo que fala em “desgoverno”, chefe do Banco Central de namoro com a oposição, ministro incriminado pela Polícia Federal, avanço de agenda parlamentar conservadora. “Governar nas condições do presidente Lula é quase impossível”, na avaliação de José Dirceu.
As causas dessas dificuldades, segundo ele, são o perfil conservador do Congresso, a força da ideologia de extrema-direita, sobretudo nas redes sociais, e a crise na segurança pública em razão do poder do crime organizado. O petista identifica ainda um problema mais antigo, um traço histórico do País: “As elites brasileiras abandonaram o Brasil”.
Dirceu defende um “pacto” com parte dessas elites, aquelas do setor produtivo, como industriais e produtores rurais. É possível? Em 11 de junho, o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, almoçou com a bancada parlamentar ruralista e declarou: “Eu não quero falar com o presidente Lula. Eu me recuso a falar com o presidente Lula, porque nós estamos vivendo um desgoverno”. “Desgoverno”: palavra muito usada pela oposição.
Ministro de Lula no passado e ex-presidente do PT, Dirceu participa atualmente de uma empreitada destinada a disputar “corações e mentes”, algo que ele acredita ter sido feito pela extrema-direita de forma “semi-clandestina” antes de Jair Bolsonaro chegar ao poder. A empreitada é a Universidade Popular, a Unipop, relançada na noite de 11 de junho, em Brasília, evento no qual Dirceu fez uma palestra.
A Unipop é uma escola de formação política surgida em 2007 e que ficou adormecida a partir do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Em setembro, promoverá um seminário para elaborar uma espécie de plano de ação e de futuro. Algumas personalidades internacionais, como Noam Chomski e Angela Davis, foram convidadas.
Um dos cabeças da Unipop é amigo de Dirceu desde os tempos de combate à ditadura civil-militar, Acilino Ribeiro, secretário do Movimento Popular Socialista, um grupo interno do PSB. Formar “quadros ideológicos e lideranças de massas” é o objetivo da Unipop. “O Lula está acorrentado por duas tornozeleiras: uma é o Banco Central, a outra é o Congresso”, afirma Ribeiro.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, é herança de Bolsonaro. O mandato dele termina no fim do ano. Nos últimos dias, ele participou de um jantar com o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, nome cogitado para concorrer a presidente pelo direitismo na eleição de 2026. E teria, segundo a Folha de S. Paulo, topado ser ministro da Fazenda de Freitas.
O Congresso é o que se vê diariamente. Até contribui com o governo na área econômica, mas em outros assuntos inclina-se para o lado oposto. Motivo da inclinação: perfil de deputados e senadores e explosão de verba para emendas parlamentares independentemente da vontade governamental.
Na visão de Dirceu, a esquerda precisa travar uma luta de longo prazo (10, 15 anos) para mudar a correlação de forças no Congresso e no País. As tarefas mais importantes, segundo ele, são no campo cultural e educacional. Gramsci na veia. “O fator cultural”, disse Dirceu no evento da Unipop, é a principal base do bolsonarismo e essa base foi construída sobre um moralismo que não aceita mudanças vistas no Brasil do século XXI.
Mudanças, aliás, que são um fenômeno global e não têm apenas a esquerda na vanguarda. Empresas “multinacionais” agora empunham bandeiras em defesa do meio ambiente, da igualdade de gênero, de combate ao racismo, conforme o ex-ministro. Daí por que a disputa nos países do centro do capitalismo (EUA, Europa) se dê principalmente entre direita e extrema-direita, segundo Dirceu, vide o resultado da recente eleição para o Parlamento Europeu.
“Estados Unidos com Trump em novembro/2024 e Brasil em 2026 serão os próximos nessa grande corrente do bem”, escreveu Bolsonaro no ex-Twitter logo após a eleição europeia. “Nós vamos aceitar o desafio dele (Bolsonaro) e derrotá-lo em 2026”, afirmou Dirceu.
A direita puro-sangue brasileira, teorizou o ex-ministro, só venceu eleições presidenciais “com líderes demagógicos” e que a fizeram “passar vergonha”. Janio Quadros elegeu-se 1960 e renunciou com sete meses de mandato. Fernando Collor venceu em 1989 e sofreu impeachment em 1992. Bolsonaro ganhou em 2018 e foi o primeiro a tentar e não conseguir a reeleição no Brasil.
O otimismo sobre 2026 e a visão histórica sobre presidentes conservadores não impedem Dirceu de constatar: “Nunca houve partidos de direita tão fortes e de massa no Brasil”. Uma realidade à qual se soma, segundo o petista, à atuação política das igrejas evangélicas. Atuação que ele acha normal, já que o Brasil foi fundado (palavras dele) juntamente com o cristianismo e sempre viu a igreja católica fazer política, vide a “Marcha com Deus pela Liberdade” que alimentou o golpe contra o presidente João Goulart em 1964.
A atual importância política do moralismo impõe o desafio de saber lidar com os crentes, cerca de 30% da população, conforme pesquisa Datafolha de 2020. “Temos de parar com isso de dizer: ‘Ele é evangélico’. O problema são as ideias, o reacionarismo, o conservadorismo. Não podemos exigir que eles não façam política”, comentou Dirceu. Que vê uma contradição bem brasileira: “auge do fundamentalismo pentecostal” e, ao mesmo tempo, auge de um certo multiculturalismo nas favelas.
Vencer a batalha contra o bolsonarismo depende principalmente, segundo o ex-ministro, de desenvolvimento econômico. O maior “dilema” do governo, para ele, é de onde tirar dinheiro para esse desenvolvimento. Era para ser o petróleo ser a fonte de recursos, após a descoberta do pré-sal, mas as mudanças na atitude da Petrobras (pagar bilhões em dividendos aos acionistas) e na legislação do pré-sal (a estatal perdeu preferências que possuía) a partir de Michel Temer desidrataram tal fonte.
Resta ao governo tentar cumprir uma promessa eleitoral de Lula: mudar o imposto de renda para cobrar mais dos mais ricos através, por exemplo, da volta da taxação sobre lucros e dividendos pagos por empresas. A taxação foi abolida em 1995. “O governo está numa armadilha”, declarou Dirceu. Precisa do Congresso para aprovar mudanças no imposto de renda, e esse mesmo Congresso tem o perfil que tem.
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