A Justiça de São Paulo reconheceu a responsabilidade do estado pela morte do alagoano Jeferson de Souza, de 25 anos, executado por policiais militares durante uma abordagem no centro da capital paulista, em junho deste ano. A decisão, considerada inédita, foi assinada no último dia 29 de agosto pela juíza Renata Yuri Tukahara Koga, da 11ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, e determina que o estado providencie ou custeie o translado do corpo até Craíbas, no Agreste de Alagoas, cidade natal da vítima.

O caso ganhou repercussão nacional após a divulgação de imagens de câmeras corporais que mostraram o jovem acuado, chorando e com as mãos para trás antes de ser morto com disparos na cabeça, no tórax e no braço. O crime ocorreu sob o Viaduto 25 de Março, na região central. Segundo a juíza, não cabe discutir se houve intenção ou negligência por parte dos agentes, uma vez que o Estado tem responsabilidade objetiva pela ação de seus agentes, conforme prevê o artigo 37, §6º, da Constituição Federal.

No despacho, a magistrada afirma que “não se trata de mera fatalidade” ou de culpa exclusiva da vítima. Ela também baseou sua decisão no artigo 948 do Código Civil, que prevê reparação por despesas com funeral e luto, incluindo nesse entendimento o custo do translado, estimado em R$ 15 mil. O corpo de Jeferson permanece há quase três meses no Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo.

Agora, a Defensoria Pública, por meio da defensora Fernanda Balera — autora da ação —, terá 30 dias para complementar a petição inicial com o pedido de indenização. O estado ainda poderá apresentar contestação.

Execução sob viaduto e prisão de PMs

O crime ocorreu no dia 13 de junho. De acordo com as imagens obtidas por meio das câmeras corporais dos próprios policiais, Jeferson foi levado para trás de uma pilastra após uma abordagem e permaneceu sentado, sendo interrogado. Em seguida, um dos soldados encobre a lente da câmera. Poucos segundos depois, a gravação mostra o jovem já morto.

Os policiais alegaram que o rapaz teria tentado tomar a arma de um dos agentes, o que justificaria os disparos. A versão, no entanto, foi desmentida pelas imagens. Desde julho, os dois PMs envolvidos estão presos no Presídio Militar Romão Gomes, respondendo por homicídio doloso, falsidade ideológica e obstrução de Justiça. Para o Ministério Público, a ação foi cometida com “motivo torpe” e revela “absoluto desprezo pelo ser humano e pela condição da vítima”.

Natural de Craíbas, no interior de Alagoas, Jeferson deixou o estado com o sonho de recomeçar a vida em São Paulo. Órfão — a mãe morreu vítima de câncer e o pai foi assassinado — ele chegou a conseguir emprego em pizzarias e sonhava em jogar futebol profissionalmente. No entanto, segundo a família, acabou em situação de rua após entrar em contato com o vício em drogas, agravado pelo abalo emocional e pela saudade da família. “Creio que ele não teve o psicológico suficiente para aguentar tanta coisa acontecendo”, relatou a irmã, Micaele de Souza.

A decisão judicial, além de garantir o direito da família a enterrar o corpo do jovem em sua terra natal, abre caminho para uma eventual indenização por danos morais e materiais.