Turismo

Em Santa Catarina

Balneário Camboriú dobrará aposta no turismo endinheirado de arranha-céus

Toda mudança imobiliária tem feito a imprensa chamar local de

Por Felipe Pereira/TAB/UOL 23/04/2022 09h09 - Atualizado em 23/04/2022 09h09
Balneário Camboriú dobrará aposta no turismo endinheirado de arranha-céus
Prefeito de Balneário rejeita o apelido da cidade de "Dubai brasileira" - Foto: Divulgação

No maior arranha-céu de Balneário Camboriú (SC), o teclado do elevador é touch screen e tem o tamanho de uma televisão de 32 polegadas. Faz sentido: a tela precisa comportar botões para 70 andares. A subida é tamanha que o ouvido acusa a alteração da pressão. Como o motor do elevador é potente, a viagem até a cobertura é rápida. Estes imóveis têm pretendentes ilustres, incluindo a família do jogador português Cristiano Ronaldo. 

O superapartamento de 800 m² tem preço estimado em R$ 50 milhões. O edifício integra um conjunto de arranha-céus que transformou parte do horizonte de Balneário Camboriú em torres espelhadas. Da janela desses prédios dá para ver outra obra que mudou a natureza da cidade: a faixa de areia alargada praticamente triplicou de tamanho. 

Essas interferências no meio ambiente e a megalomania imobiliária fizeram a imprensa chamar Balneário Camboriú de "Dubai brasileira". O prefeito da cidade, Fabrício Oliveira (Podemos), refuta o título. "Não vejo como Dubai, nem Miami e nem Mônaco [brasileira]. Aqui é Balneário Camboriú."  

A antipatia ao apelido tem a ver com o conceito. Cópias nunca estarão à altura dos originais. Além disso, ele não confere autenticidade, ferindo a personalidade de um destino turístico que busca visitantes com bolso de sobra para ir a Dubai. 

Na tentativa de atrair forasteiros milionários, a cidade alterou sua essência e a vida dos habitantes que moravam no município antes de ele reunir seis dos 10 prédios mais altos do País. As mãos do pedreiro Luiz Juarez Pires, 55, empunharam os martelos e marretas que transformaram Balneário Camboriú numa aglomeração de prédios perfilados batendo continência para o mar. 

A cidade tem tanto concreto e asfalto quanto os bairros de São Paulo — e os mesmos alagamentos nas tardes de chuva forte. Situação desagradável, mas que nunca foi um problema para Juarez Pires. Natural de Chapecó, ele se mudou para o município em 1993 precisando alimentar e vestir duas crianças pequenas. Prosperou e criou sete filhos. 

O pedreiro conta a história de vida com orgulho, enquanto fala da sacada de casa no bairro Municípios, que fica depois da BR-101 e corresponde à periferia de Balneário Camboriú. A situação pessoal só não está melhor porque Pires viu os filhos terem de ir morar na vizinha Camboriú. 

O processo de atração de turistas cada vez mais abonados, que culminou nos arranha-céus e no prolongamento da faixa de areia, tornou os imóveis caros demais até na periferia.  A mão de obra que ergueu Balneário Camboriú vê seus filhos sem dinheiro para viver na cidade.   

Por um punhado de dólares a mais 

Balneário Camboriú experimentou a força da grana e há opiniões divergentes se ela ergueu ou destruiu coisas belas. O veredicto envolve gosto pessoal e até visão ideológica. Mas o mercado imobiliário trabalha com elementos tangíveis. 

Pesquisa realizada em novembro de 2021 pelo Sinduscon (Sindicato da Indústria da Construção Civil) de Balneário Camboriú apontou que o alargamento da praia aumentou o valor dos imóveis em 20%. Seguindo a lógica "em time que tá lucrando não se mexe", a administração municipal vai manter o caminho de buscar visitantes cada vez mais ricos. 

O prefeito aposta no ecoturismo e indicou o tíquete médio cinco vezes superior ao "turismo sol e mar" como motivo para a decisão. "A preservação ambiental atrai o turismo qualificado."

Oliveira lembrou que Balneário Camboriú tem praias desabitadas e elas serão a base desse movimento. A urbanização da faixa de areia, que passou de 25 metros para 70 metros, vai no mesmo sentido de tornar a cidade mais humana. O projeto conta com ciclovias, espaço para pedestres e muito verde. O carro será deixado de lado.  

Tais considerações estarão no Plano Diretor, que passa por revisão. Presidente do Sinduscon, Nelson Nitz ressalta que Estaleiro e Taquaras são praias "bandeira azul", uma certificação ambiental. Ele afirma que não há intenção de explorar esses locais. "Na revisão do plano diretor nem vai se tocar [no assunto]."  

Roda da fortuna 

Na hora de vender a cidade, um argumento usado pelo presidente do Sinduscon é ser o quarto IDH do país e seu baixo índice de violência. "O estado tem segurança pública. Pode andar à beira-mar sem [medo de] assalto ou arrastão", diz Nitz. 

O prefeito de Balneário Camboriú considera que a pandemia ensinou as pessoas que é possível administrar negócios de casa e espera empresários de outros estados comprando apartamentos em arranha-céus. Esse público demanda hospitais de primeiro mundo, escolas bilíngues, restaurantes sofisticados e outros serviços de primeira, acionando o ciclo de enriquecimento. 

Para se ter uma ideia do montante de dinheiro, o diretor de mercado e marketing da FG Empreendimentos, Altevir Baron, revela o valor desses imóveis. "Apartamento de frente para o mar em projeto começa entre R$ 12 [milhões] e R$ 14 milhões." 

O presidente do Sinduscon citou uma clientela menos numerosa, mas muito importante para chancelar Balneário Camboriú: boleiros e artistas. Nitz declara que quando Neymar Jr. ou Luan Santana adquirem um imóvel, fazem o anúncio nas redes sociais. O município vira o lugar dos milionários que fazem sucesso e se beneficia por tabela. 

Cidade inacessível 

A chegada de veranistas está na gênese de Balneário Camboriú. O ex-presidente João Goulart tinha casa no que era uma espécie de distrito que se tornaria município em 1964. Até então, aquele pedaço de litoral pertencia a Camboriú, cidade que se dedicava à agricultura. 

Ao receber cada vez mais visitantes catarinenses, principalmente de Blumenau, os moradores da praia perceberam seu potencial turístico. Eles conseguiram eleger três vereadores e, assim, obtiveram a emancipação. Naquele mesmo 1964, foi erquido o Hotel Marambaia, construção de arquitetura arrojada que contava com um cassino. 

Já era uma tendência do que Balneário Camboriú se tornaria, mas havia espaço para outro tipo de visitante. Até a década de 1990, eram comuns ônibus de excursão baixarem na cidade. A sofisticação afastou a farofada. Tudo ficou muito caro, o município é novo e rico. Prédios erguidos nas décadas passadas foram demolidos para dar lugar a construções ainda maiores. Nem a casa de João Goulart foi poupada da transformação do tempo e virou restaurante. 

Essa realidade predominou entre a BR-101 e a praia. Do outro lado da rodovia, a evolução foi diferente. O bairro Municípios tem casas com jeitão de imóvel de periferia pacífica. Crianças brincam na rua porque o movimento é residual durante o dia. Os adultos estão trabalhando nos restaurantes, lojas e obras de Balneário Camboriú. 

Mas os moradores do bairro acreditam que essas características estão com os dias contados. Juarez Pires diz que já ofereceram R$ 500 mil pela casa em que vive. Ele optou por não vender porque há projeto para fazer uma avenida ligando o Municípios à Baía Sul, local dos arranha-céus. O plano é esperar a valorização e conseguir mais dinheiro. Mas ele não acredita que vai terminar seus dias em Balneário Camboriú. 

"Quem tem casa vai ter que sair. Vai aumentar o valor do imposto, o IPTU vai lá pra cima. Temos que aproveitar e vender, porque não temos como manter."

WhatsApp

Receba notícias do Em Tempo Notícias no seu WhatsApp e fique por dentro de tudo! Basta acessar a nossa comunidade:

https://chat.whatsapp.com/K8GQKWpW3KDKK8i88Mtzsu