Alagoas
Patrulha Maria da Penha atua na proteção de seis mil alagoanas contra agressores
Em seis anos, serviço especializado da PMAL prendeu 330 agressores.
Em uma noite de sábado, perto da meia-noite, o telefone funcional toca, e a guarnição da Patrulha Maria da Penha entra em alerta imediato. A equipe, que já estava se preparando para desacelerar do serviço iniciado às 7h, recebe um chamado de uma das centenas de assistidas pela patrulha. O dia foi longo, marcado por visitas, acolhimento, intervenções e finalizado com a confecção de relatórios enviados à Justiça Estadual.
O descanso pode esperar. A vida não. O ex-companheiro da vítima, alcoolizado, gritava no portão e representava uma ameaça iminente. Esse é apenas mais um dos muitos casos enfrentados pela Patrulha Maria da Penha (PMP), que trabalha para garantir a segurança das mulheres sob medida protetiva de urgência. Neste caso, a medida exige uma distância mínima de 500 metros entre o agressor e a vítima – uma determinação judicial que ele acabara de violar. A resposta da equipe é imediata. Motorista, comandante e patrulheira seguem rapidamente para o endereço da assistida, prendem o infrator e o conduzem à delegacia de Polícia Civil.
A Patrulha, instituída na Polícia Militar de Alagoas (PMAL), leva o mesmo nome da lei que se propõe a fiscalizar e fazer valer. Desde o último dia 15, a unidade passou a ser chefiada pela major Iris Dayana Queiroz. “Em pouco mais de seis anos de atividade, a Patrulha Maria da Penha soma 330 prisões e 6.000 mulheres assistidas. Considero como algo muito simbólico assumir a frente da PMP em pleno Agosto Lilás, o mês temático de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, instituída por meio da Lei Estadual 4.969 de 2016”, enfatizou a major.
“É papel da Patrulha fiscalizar as medidas protetivas de urgência. Quando a mulher sofre agressão e busca o Poder Judiciário ou a Defensoria Pública para solicitar uma medida protetiva, essa medida é deferida e encaminhada para a Patrulha Maria da Penha, responsável pela fiscalização. Ou seja, quando a mulher está em iminente risco de morte, quando não consegue sair para trabalhar, nem ter uma vida normal devido ao ex que não aceita a separação, a persegue e continua com ameaças, a Patrulha entra em ação para proteger a mulher,” explicou a tenente Aliny Fernandes, que atua na missão há mais de um ano e meio e responde pela coordenação metropolitana.
Além da capital, há frentes da PMP em municípios do interior do estado como Arapiraca e Marechal Deodoro. Em algumas cidades alagoanas, a PMP leva capacitação para as Guardas Municipais atuarem na missão voltada à segurança das vítimas de violência doméstica e familiar. Na prática, o trabalho da PMP vai além de respostas a incidentes de violência. A força policial é parte essencial da rede de proteção que busca interromper o ciclo da violência e oferecer suporte contínuo às vítimas. A ligação para o telefone funcional mencionada no início refere-se ao número de contato da equipe de serviço ordinário. O contato, preciso e ágil, fica disponível todos os dias, a qualquer hora, e é exclusivo para comunicação entre as assistidas e a guarnição. Em caso de risco, as assistidas não precisam discar 190.
No caso de um descumprimento de medida, por exemplo, elas ligam diretamente para o funcional. “A guarnição já tem o conhecimento de onde ela mora ou onde ela trabalha, qual é o itinerário, tudo em detalhes. Então ela liga imediatamente, a Patrulha vai lá e faz a prisão”, sintetizou a tenente.
SEGURANÇA PARA VOLTAR A SORRIR
A violência doméstica não faz distinção de raça, classe social, profissão, renda, cultura, nível educacional, religião ou idade. Do mesmo modo, o acolhimento também não restringe o público e é amplo para todas que buscam auxílio. O cabo Rodrigo Araújo, é membro da Patrulha Maria da Penha desde sua criação, e coleciona experiências no combate à violência contra a mulher. Um dos casos, em especial, ele apontou como emblemático. Ocorrido em dezembro de 2023.
“Certa vez, em um intervalo de menos de duas horas, retiramos dois agressores das ruas e preservamos as vidas das vítimas. Há situações bem peculiares que a gente não esquece. Tínhamos prendido um indivíduo no bairro Prado, em Maceió, por agressão e fizemos a condução para a Central de Flagrantes. Enquanto estávamos realizando os procedimentos na delegacia, outra vítima, outra assistida, nos telefonou. Esse segundo caso, era bem emblemático porque já tínhamos efetuado a prisão do agressor por duas vezes”, relatou o cabo R. Araújo.
“Na ligação, ela nos dizia que estavam realizando o aniversário da filha e ele estava tentando invadir. Como no dia tínhamos duas guarnições, uma ficou na Central, e nós nos deslocamos para o bairro onde estava ocorrendo a situação. Chegamos ao endereço, ele estava em uma moto bem próximo ao local da festa. Dessa vez, ele tinha rompido a tornozeleira eletrônica. Fizemos a abordagem e na busca pessoal encontramos uma tesoura quebrada, como um punhal, que poderia ter sido usado para atingir a vítima, e quem sabe, cometer o feminicídio ali mesmo. As pessoas na festa estavam aterrorizadas, mas retiramos ele dali e efetuamos a devida prisão, retornando mais uma vez à Central de Flagrantes”, completou o comandante da guarnição.
Além de servir e figurar entre os pioneiros, o cabo é um entusiasta da rede de proteção. “O trabalho da Patrulha Maria da Penha é vital não apenas para prevenir a violência, mas também para restaurar a dignidade e a esperança das mulheres assistidas. Muitas delas, após a intervenção da patrulha, conseguem romper o ciclo de violência, reconstruir suas vidas e, em alguns casos, até iniciar novos relacionamentos, formar novas famílias e recomeçar. Mais do que um dever, para mim e com certeza para todos os que fazem a Patrulha, essa missão representa uma satisfação imensa. É gratificante, por exemplo, ver as vítimas retomando suas vidas com segurança, tranquilidade e voltando a sorrir”, finalizou o PM.
MARIA DA PENHA: A HISTÓRIA, A LEI E A PATRULHA
O ordenamento jurídico brasileiro oferece um instrumento que assegura direitos às vítimas de violência doméstica e familiar, impondo sanções severas a quem comete atos que, no passado, já foram considerados crimes de menor potencial ofensivo.
A Lei 11.340 foi sancionada em 7 de agosto de 2006 e entrou em vigor em 22 de setembro do mesmo ano. A chamada Lei Maria da Penha é uma importante legislação brasileira voltada ao combate da violência contra a mulher (inclui agressão física, psicológica, sexual, moral e patrimonial). O nome faz referência à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sobreviveu a uma tentativa de homicídio perpetrada pelo próprio marido e lutou incansavelmente por anos para que ele fosse responsabilizado. O caso mobilizou, inclusive, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
A Lei Maria da Penha define medidas para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, abrangendo diferentes formas de agressão, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Entre os mecanismos de proteção da vítima, a lei inclui o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato com a vítima e seus familiares, além da inclusão da vítima em programas de assistência.
A Patrulha Maria da Penha nasceu de um acordo de cooperação entre as Secretarias da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh) e da Segurança Pública (SSP) – em conjunto com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública de Alagoas.
A PMP não existia, de fato, na Organização Básica da PM, mas por meio do Decreto 93.446, de 4 de setembro de 2023 passou a compor a Polícia Militar, dentro da Diretoria de Políticas Preventivas (DPP). Sob a denominação de Patrulha Maria da Penha e Grupos Vulneráveis (PMPGV) , o órgão setorial é responsável pelo assessoramento ao diretor de Políticas Preventivas no desenvolvimento da política institucional voltada à proteção da mulher e de grupos vulneráveis”, descreveu o Decreto.
“No ato do acolhimento às assistidas encaminhadas pelo Poder Judiciário, a gente extrai o máximo de informação dela possível, justamente para ter essa condição, esse conhecimento, para chegar de forma rápida na hora de um socorro. Os militares fazem várias perguntas para entender o contexto social, o contexto de vida que aquela mulher se encontra. A guarnição vai lá pessoalmente acolher e explicar como é o serviço, como é a atuação da Patrulha, como a assistida vai fazer para acionar um atendimento emergencial, através das guarnições. É nesse sentido que a gente consegue dar a pronta resposta”, sistematizou a tenente Aliny.
E foi esse conhecimento prévio que garantiu a integridade de outra vítima, dessa vez atendida pela guarnição do soldado Ramon Palmeira. “Estávamos reforçando a segurança de um evento público quando o celular funcional tocou. O ambiente era muito barulhento, mas deu para ouvir gritos do outro lado da linha. Era difícil entender, mas parecia haver pancadas ao fundo. A ligação caiu, e percebemos que se tratava de um pedido de socorro. Tentamos retornar, mas não conseguimos mais contato. Então, embarcamos na viatura, sem tempo de voltar à base para pegar a pasta com as informações da assistida, e seguimos em direção à localização das últimas conversas. Era uma assistida que ainda estava ativa,” relembrou o soldado.
O soldado Palmeira descreveu o desfecho do episódio: “No caminho, ligamos pro comandante da guarnição que acompanhava ela, e ele confirmou o endereço. Antes de chegarmos na casa, os vizinhos, num residencial popular na parte alta, já apontavam onde era. Encontramos a vítima saindo de casa, desesperada e chorando muito. O ex-companheiro tinha invadido a casa, agredido ela com tapas no rosto, puxões de cabelo e empurrões contra a parede. Ele fugiu de bicicleta quando viu a viatura chegando. Pegamos as informações sobre as características dele, começamos as buscas e encontramos o homem, que estava visivelmente transtornado, aparentemente sob efeito de álcool misturado com medicamentos. Com o apoio de uma guarnição do Batalhão de Polícia Escolar (BPEsc), efetuamos a prisão e o levamos para a delegacia”.
Além da equipe diária que desenvolve um trabalho específico (como a guarnição da ocorrência relatada), a PMP conta com as guarnições do Programa Força Tarefa (FT). A FT consiste no atendimento às ocorrências direcionadas pelo 190 relacionadas à violência contra a mulher. Outra iniciativa exitosa é o Projeto Juntos Por Elas. Em quase seis anos de atividade, a iniciativa leva capacitações e palestras apresentadas, sobretudo voltadas à conscientização do público masculino sobre aspectos da Lei Maria da Penha.
O Projeto coloca em prática o que prevê o inciso 8 do Art. 8 da Lei 11.340/2006: a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; voltadas ao público masculino e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres.
O Estado de Alagoas conta com uma Rede de Atendimento à mulher incluindo órgãos de proteção, núcleos de atendimento, delegacias, unidades hospitalares de referência e outras entidades. Os detalhes sobre a Rede de Atendimento à Mulher estão disponíveis aqui.
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