Edberto Ticianelli

* Este texto não reflete necessariamente a opinião do Em Tempo Notícias

A alma de um idealista criador

História da criação do Teatro de Arena Sérgio Cardoso, em Maceió, narrada por Duse Leite como se fosse um testemunho do seu pai Bráulio Leite, o fundador daquela instituição

Por Edberto Ticianeli 11/07/2022 16h04
A alma de um idealista criador

Duse Leite

Foi mais ou menos assim que aconteceu…

Lá pelos idos dos anos 70, no início do Governo do dr. Afrânio Lages, conta-nos:

Avisaram-me que o governador estava chegando e eu como diretor do Teatro Deodoro, me apressei em recebê-lo. Era o 5º dia de trabalho do Chefe do Executivo e sua visita na primeira semana de governo era alvissareira. Eu, que para mim que já sabia não ser o Teatro Deodoro uma repartição prioritária, nem simpática aos governantes (Rsrsrs), soou como um bom sinal.

Bráulio Leite Júnior, criador do Teatro de Arena Sérgio Cardoso. Foto do acervo da família


Eram 7h40 da manhã e lá estava o governador Afrânio Lages estendendo-me a mão, impecavelmente vestido na sua sobriedade, um leve sorriso nos lábios e acompanhado pelo seu ajudante de ordens. Rapidamente entrou no Deodoro, pedindo que eu lhe dissesse a real situação da Casa de espetáculos, suas deficiências e necessidades mais urgentes. Fui dizendo, mostrando, acompanhando em cada canto até chegarmos no palco, onde ele olhou para a plateia de poltronas vazias, frisas, camarotes, “torrinhas”, e voltando-se, olhou para o meu rosto, foi taxativo: Vamos decidir o que fazer primeiro. Fez uma pausa e perguntou: Você tem como conseguir recursos? O SNT não poderia ajudar? Respondi que sim, que ia fazer um expediente, embora achasse que ele como governador teria mais êxito. Respondeu-me incisivo, vamos buscar toda a ajuda possível. Entre em contato com o SNT e procure-me depois.

Governador Afrânio Lages inaugura o Teatro de Arena. Foto do acervo da família de Bráulio Leite Júnior


Meus sentimentos naquele momento misturaram-se numa onda de entusiasmo e euforia, finalmente o nosso Deodoro tinha uma esperança. E pensei que por aí a nossa conversa teria findado.

Voltando pelo corredor das frisas, quando viu a porta lateral com travas e arames prendendo suas fechaduras e trancas corrediças, perguntou: Porque isso? Essa porta não funciona? Informei que não, pois o antigo Bar Deodoro estava sub judice e eu tinha dado ordens severas para que ninguém fosse lá… Ele perguntou a quanto tempo? Uns 10 anos mais ou menos. E porquê? Expliquei o acontecido… E de lá para cá não havia nada ali? Não, nada.

Ato de inauguração do Teatro de Arena. Foto do acervo da família de Bráulio Leite Júnior


Mandou abrir o cadeado e foi olhar o local. As mesas, frigorífico, as cadeiras, tudo estragado pela ação do tempo – quando me foi feita a pergunta: — E isso aí, o que faremos? Um teatro, governador, respondi. Um teatro, como? Sim, um Teatro de Arena. Sua construção, argumentei seria uma necessidade para a vida cultural e artística da cidade. A paralização do Teatro Deodoro, impunha um longo período de inatividade que afetaria a evolução surgida no setor, como o reaparecimento da Sociedade Artística. E as companhias, os grupos locais e tantas outras manifestações que precisam de um local para suas realizações iriam sobreviver? E o esquecimento que cairia sobre nós, na nossa cidade nos roteiros e calendários artísticos e oficiais?

Governador Afrânio Lages discursa no ato de inauguração do Teatro de Arena. Foto do acervo da família de Bráulio Leite Júnior


Se o senhor me permitir vou pedir a um engenheiro para estudar o local, fazer um levantamento e depois procuro o senhor. Pode, respondeu o governador e olhou de relance para mim, considerando as ruínas do antigo Bar Deodoro, há 10 anos aguardando um governante para resolver o impasse… E eu um jovem sonhador, com ideias aguardando-o.

Plateia da primeira peça a se apresentar no Teatro de Arena. Foto do acervo da família de Bráulio Leite Júnior


Três dias depois estávamos eu, Abílio e Brêda no gabinete daquele homem simples, afável e otimista. Tudo ficou acertado, incluindo-se o nome de outro engenheiro – Leônidas, na comissão. E começamos. Visitas semanais do governador. Dias incansáveis, noites mal dormidas, mas tínhamos certeza que o resultado seria alimentador.

De repente, a má vontade, os empecilhos, o desejo de não vê realizada a obra de alguns. Mas o governador entusiasta da ideia, dá-nos prestígio e confiança, tornando realidade a obra desse idealizador crente, dizendo categoricamente: Vamos fazer o teatro. Do nosso lado Deus e o governador Afrânio Lages, obstinado, certo, infenso as intrigas e futricas e no meio da desconfiança dos meus companheiros, dizíamos sempre: — Vamos realizar.

Naná Magalhães na peça O Homem da Flor na Boca, de Luigi Pirandello, durante a inauguração do Teatro de Arena de Maceió. Foto do acervo da família


E no dia 14 de julho de 1972, o nosso sonho se realizou. Enfim, tínhamos um Teatro de Arena entregue a sociedade alagoana, aos artistas locais e aos que por aqui passassem. Um teatro bem equipado, com técnicos, considerado como um dos melhores do Brasil.

Na sua inauguração, a presença de um dos maiores atores do Brasil, Sérgio Cardoso, representando a peça “O Homem da Flor na Boca”, de Pirandello. Além do também renomado ator Jardel Melo e para compor o elenco, a participação da atriz alagoana Naná Magalhães.

Foi um sucesso. Nosso povo estava em festa, tínhamos finalmente um teatro que iria socorrer a ausência do Velho Casarão Deodoro e “esse saltimbanco”, pôde ver sua criação na ativa e disposto a mais uma criação. Ai sim, voltamos a dormir e sonhar…

Infelizmente, um mês depois ficamos sabendo do falecimento de Sergio Cardoso, e o Teatro de Arena, sem nome ainda, passou a ser chamado, Teatro de Arena Sergio Cardoso, a nossa última homenagem ao ator.